A nona arte

04 de Agosto de 2017
Neto Medeiros

Neto Medeiros

Hoje quero utilizar este privilegiado espaço para defender, além de meu ganha pão e objeto de pesquisa, algo que também pode salvar essa juventude perdida contemporânea. A tal da geração Z ou nem nem nem, nem estuda, nem trabalha, nem sabe o que quer do amanhã...

Não sabia que voltaria para minha infância em minha graduação e agora no mestrado. Sim porque quando era menino, falava como menino... Enfim, brincava em fazer quadrinhos. E recentemente, ao ministrar uma oficina de quadrinhos, voltei pra lá, quando passava horas fritando em dar vida a minha imaginação fértil...

Passados alguns anos e depois de me perder em dias e devaneios sequenciais, encontro-me de novo diante dos quadrinhos. Ou o jornalismo em quadrinhos, algo em que me debruço de modo teórico e empírico.

Acho assim como o Maurício de Sousa, nosso maior mestre, o Will Eisner do Brasil, que os quadrinhos são insubstituíveis. Assim como as outras, mas em tempos da supremacia digital, ler quadrinhos em sua forma pura, com cheiro, sem cabos, apenas papel e imaginação, é talvez, pelo menos pra nós amantes dos quadrinhos, a experiência das experiências...

Também carece de registrar que foram os quadrinhos que me levaram pro O LIBERAL. Foi em uma oficina de quadrinhos realizada na Escola Dom Pedro e dentro do Festival de Inverno de 2006 em que conheci o Paulo Noronha, outro amante dos quadrinhos. Foi ali que comecei minha história no mais importante jornal da região.

Passados 11 anos, cá estou eu, pesquisando quadrinhos, produzindo quadrinhos e dizendo que os quadrinhos podem salvar uma geração perdida em ócio e pensamentos fúteis. Não se precisa de muita coisa na infância. E é por isso que valorizamos os quadrinhos e depois os abandonamos. Os relegamos a leitura de menino. Tachamos o gibi como tachamos os coxinhas, petralhas e ídolos. Como cravamos a tatuagem na testa do inocente. Como um dia queimamos os quadrinhos, atribuindo a eles nossa imbecilidade. Nossa crueldade. Como o vídeo game e seus jogos violentos foram um dia os culpados pelo massacre de Columbine... Como quando cobramos do vizinho a limpeza que dispensamos.

Os quadrinhos podem resgatar uma galera de um monte de coisa à toa, porque desperta a leitura. A leitura de imagens e de contextos e de códigos específicos dos quadrinhos. Imagens de formas e estilos e gostos e cores e de tudo quanto é jeito.

Em 2014-2015 produzi Curvas. Um quadrinho sobre o trânsito de Ouro Preto. Uma reportagem em quadrinhos sobre o trânsito de Ouro Preto. Dois anos para menos de 50 páginas. Quadrinhos podem não ser viáveis. Quadrinhos devem ser viáveis...

Produzir, ler e ensinar pretensiosamente os quadrinhos, sobretudo em um país onde ainda se morre de fome e de bala perdida e a mando de político e etc., é uma missão difícil, por uma série de fatores, mas percebi que foi pra isso que nasci. Neguei isso durante muito tempo. Mas graças a Deus saí do armário. Não tenho vergonha. Nem sou sem serviço. Sou quadrinista. Ah, e não é sobre quadrinhos. É sobre quadros. Requadros. Quadrados. É sobre sair de um lugar cômodo. É como escolher ser feliz no efêmero da vida ou o sofrimento perene de uma vida enfadonha. É como escolher ter vergonha ou preferir o peito aberto ao contar sobre o que faz. Sobre o que é!

Cabe o universo no universo dos quadrinhos. Você está perdendo um tempo aí em redes enquanto um monte de história está sendo produzida, além dos clássicos. Simples como a infância. E a vida que complicamos...

Aliás, dê um Google somente nos clássicos. Se quiser ler Curvas, será um prazer, só mandar um alô. Mas dê uma pesquisada nessas histórias e depois me diga o que achas: Maus, Persepólis, New York, Minha Vida, A Piada Mortal, Whatchmen, Palestina, O Fotógrafo...

Se depois disso, de ler somente uma dessas, sua visão sobre o mundo simples e complexo dos quadrinhos não mudarem, então eu vou entender o porque de nosso preconceito típico do Brasil: meter o pau sem ao menos conhecer o que criticamos.

Viva os quadrinhos. E deixe viver...

Comments powered by Disqus

Newsletter

Acompanhe-nos

Encontre-nos no Facebook