A urgência de humanizar a cadeia de Ouro Preto

05 de Janeiro de 2018
Jornal O Liberal

Jornal O Liberal

*Nathalie Groux

“Misericórdia!”, essa palavra tomou um sentido muito profundo ao testemunhar a triste realidade dos presos da cadeia de Ouro Preto. A maioria são jovens, humildes, também umas quinze mulheres, mães de família, envolvidos com drogas, para sustentar os seus vícios e suas misérias. Misturados no espaço super-lotado de celas de 4x4m (até 25 detentos!): infratores de pequenos delitos com infratores de crimes hediondos, presos cuja lei é a do crime com adictos em abstinência e doentes sofrendo distúrbios mentais, necessitando com urgência de tratamento humanizado.

Dia após dia, mês após mês, ano após ano, ociosidade, nada para fazer, nada para pensar, nada para ocupar as mãos e a mente… Tristeza e depressão de uma rotina infernal, da qual não se tem como escapar imune. Uma verdadeira panela de pressão prestes a explodir a qualquer momento, que só o uso compulsivo do cigarro (com o duvidoso monopólio de uma só marca) e a dependência de remédios controlados estão tentando segurar, mal que mal. Humilhações, ameaças, constrangimentos e violência, ora dentro da cela ora fora dela… Motim, tumulto, retaliação…

Enfim, um lugar desses precisa ser repensado para dele não se sair pior, deformado, maculado, traumatizado e mais voltado para o crime e a revolta. Uma ociosidade que também custa caro ao Estado e, portanto, ao cidadão.

Muitos talentos criativos podiam ser melhor aproveitados; enquanto alguns poucos detentos cadastrados pelo CTC conseguem o direito de fazer crochê, a maioria não tem acesso a essa saudável arte terapia e nem a outra alternativa.

Se faz urgente permitir o acesso ao trabalho (direito básico do preso independentemente de remissão ou não) à arte, às formações e capacitações. É preciso reformular o sistema penitenciário não só como cumprimento de uma pena mas bem como oportunidade de se restaurar um cidadão, formar, edificar, ensinar, espiritualizar, enfim, resgatar seres humanos.

A cadeia de Ouro Preto precisa com urgência de profissionais imprescindíveis tais como uma assistente social (!) para atender o detento, fazer uma ponte saudável e desarmada com a família, dentista e médico em tempo integral. De noite, também, se faz notória a necessidade de assistir com capacidade presos passando mal, em vez de deixá-los jogados no chão frio com desprezo.

Atividades físicas, plantio, estudos e parcerias com universidades, ONG’s e igrejas deveriam ser contempladas. Saudamos aqui a generosa dedicação semanal da Pastoral e da Universal ao visitar os detentos, porém é notável a necessidade de mais variadas opções espirituais para o resgate de mais indivíduos, sendo que o resgate de um pai ou de uma mãe acaba sendo de uma família. Humanizar o sistema penitenciário para restaurar seres que antes de serem privados de sua liberdade foram para muitos deles, privados de oportunidades, educação e caminhos abertos.

Dentro de uma jaula não se vira ser humano e sim fera.

Quanto ao papel do agente penitenciário, de suma importância, para manter a ordem e a disciplina, enquanto alguns se destacam pelo seu profissionalismo e humanidade, de outros não se pode dizer o mesmo.

Os detentos têm deveres e também direitos, precisando ser respeitados de fato e não só no papel.

O sistema carcerário clama por socorro e renovação, oxalá as lideranças se abram para parcerias e projetos. Oxalá o Estado e a sociedade civil invistam mais na recuperação do ser humano do que em seu enjaulamento, na formação do que na humilhação, na inserção do que no isolamento. O Brasil precisa de uma mudança de política urgente para se redimir do triste recorde de hiper-encarceramento ligado à crimes não violentos e prisões provisórias. Estamos entre os três países com a maior população carcerária (711.463 presos!) e excedemos a média mundial de presos por habitantes, sendo o tráfico o crime mais registrado devido á falta de critérios objetivos que diferenciem usuários e traficantes de fato… algumas medidas de descriminalização iriam frear a hemorragia social e financeira de se manter indivíduos com presunção de inocência enjaulados, alimentados e dopados de remédios controlados às custas do trabalhador… já passou da hora de nos libertarmos do espírito histórico de encarceramento, castigo e retaliação, para o espírito de instrução, inserção, cura, resgate e misericórdia.

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