Acordo da polêmica

04 de Fevereiro de 2016
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Desde o dia 1º de janeiro do corrente, está definitivamente em vigor o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, cuja elaboração data de 1992 com previsão de aceitação pela comunidade lusófona (países que falam o Português) se ratificado, inicialmente, por três dos países integrantes, além de Portugal. O terceiro a aceitar foi São Tomé e Príncipe, depois do Brasil e Cabo Verde, faltando, entretanto a aprovação do parlamento português, o que se realizou em 16 de maio de 2008.

Naquela ocasião, mais de trinta e cinco mil portugueses, intelectuais em sua maioria, enviaram petição aos deputados com recomendação pela não aprovação das mudanças, por entenderem que o acordo mais atenderia interesses brasileiros. Ironicamente, como também para mostrar que cabeça de político é a mesma em qualquer parte do mundo, dois deputados que encabeçavam a petição não estavam, no plenário, na hora da votação. Abandonaram seus representados, deixando o recinto da mesma forma que outros parlamentares, que preferiram ficar em cima do muro, não votando. A partir de então o projeto seguiu seu curso, chegando agora à implantação definitiva, não obstante correntes contrárias.

Entende-se e não se pode deixar de reconhecer, nos portugueses, razão sentimental, abalados em seu orgulho, pois, afinal, são os pais da língua. Dos demais países da comunidade lusófona, Cabo Verde, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Timor Leste, não se sabe muito da reação, mas a de uma minoria brasileira foi irracional, levando desavisados a crer que se tratasse, talvez, de crime lesa-pátria, ou a primeira intervenção na ortografia do idioma, esquecendo as diversas que se fizeram desde 1911, mas nenhuma a provocar tanto bafafá como esta. Fez-se tempestade em copo d’água, considerando-se a pequenez da reforma diante da grandiosidade da língua, em número de falantes no mundo.

Segundo o site do Observatório da Língua Portuguesa, nossa língua tem cerca de 244 milhões falantes no mundo, sendo a quarta mais falada, depois do Mandarim (chinês), do espanhol e do inglês. Disso os brasileiros deveriam se orgulhar, pois desse total 200 milhões residem no Brasil! Os pais da língua são os portugueses, mas quem a expandiu em número de falantes e quem mais a dissemina pelo mundo somos nós, brasileiros. Entretanto, o fato de a comunidade lusófona apresentar diversas formas de escrita impedia a língua de ser reconhecida nas relações internacionais e de ter, no futuro, seu lugar entre as línguas oficiais da ONU. Por isso, a unificação na forma de escrita era necessária e, segundo os princípios democráticos, foi feita tendo como base a forma usada pela maioria dos falantes, ou seja, dos brasileiros. Enquanto na forma brasileira, as alterações alcançaram 0,5% das palavras, na forma lusitana, ela alcançou 1,6%; portanto, se alguém foi prejudicado, não fomos nós, mas, sim, os portugueses. Por essa razão, eles ainda terão prazo até 2017 para abolir as letras “c” e “p”, não pronunciadas em palavras como director, direcção, acção, protecção, baptismo, adoptar e excepção. Deverão cair, passando as palavras a ser escritas como no Brasil. Só permanecerão nos casos em que, mesmo no Brasil, elas são pronunciadas. É o caso de pacto, aspecto, ficção, intelectual, opção, egípcio.

No Brasil, conforme já dito, as alterações foram mínimas e descomplicaram, por exemplo, o uso do hífen, que gera menos dúvidas depois do Acordo. De acordo com novas regras, algumas palavras perderam o acento e o prosaico trema foi abolido de vez.

Do trema, curiosidade à parte, pode-se dizer que desapareceu sem nunca ter aparecido! Na reforma ortográfica de 1945, ele foi abandonado por Portugal, mas o Brasil, não se sabe por que, conservou-o, mas não fez questão de seu uso (nem nas escolas), com exceção de alguns editores zelosos. Aquela coisa, parecida dois olhinhos a nos mirar de cima do ü da linguiça, do cinquenta, do aguentar, da lingueta, é mais própria do idioma germânico, que o usa largamente. Talvez aí esteja a razão pela qual o Brasil não acompanhou Portugal, em 1945. O tupiniquim adora macaquear estrangeiros! O que introduziu o trema, de fato, foi o computador pessoal, de forma automática, uma vez que programado de acordo com as normas do vernáculo, não havia como o usuário dele fugir. Agora, que foi abolido, forma-se gritaria de parte da grande maioria que nunca o utilizou. Jiló é apreciado por poucos paladares, mas se falta no mercado, gente que nunca comeu aquele legume engrossa o coro dos reclamantes! Coisas da natureza humana... especialmente se tupiniquim!

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