Acordo da polêmica II

04 de Fevereiro de 2016
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

De volta à vaca fria, ou seja, ao mesmo tema abordado na semana passada, repito que brasileiros, embora com direito, não têm razão para reclamar das mudanças ortográficas, consenso a que chegaram os oito países membros da comunidade lusófona, quanto ao proposto Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. As mudanças foram mínimas e devem facilitar, notadamente, ao público infantil que, a partir de agora, agora ingressa na escola. Os que criticam e reclamam agem como egoístas, pensando tão somente em não sair de sua zona de conforto, agarrados à preguiça de reaprender a escrita, que é dinâmica, assim como a fala, ao longo do tempo.

Não foi esta a primeira vez que se mexeu na ortografia, tendo havido várias intervenções ao longo do século vinte. Algumas delas fizeram grandes alterações, como a eliminação das letras dobradas (“ll”, “tt”) deixando para nós das gerações posteriores somente o “ss”. A juventude de hoje, não muito afeita à leitura de obras antigas, nem de longe sonha que muitas vezes o som de “F” era representado por “PH”, como em pharmacia, por exemplo. Se encontrada a palavra “chimica” em algum livro, saiba que não se lê “ximica”, mas química, pois era como se representava o som “qui”, em alguns casos. O “c” e o “p” mudos, que os portugueses somente agora deixarão de empregar na escrita, o Brasil aboliu há cerca de setenta anos. Em nome de uma uniformidade na escrita da língua, em todo o mundo, o que se faz agora, no Brasil, é o mínimo, em comparação com o que coube aos portugueses que, em respeito à lógica e direitos democráticos da maioria brasileira, ajustaram sua forma escrita à nossa, embora alguns tupiniquins mal informados tenham dito que a nova ortografia teria sido imposição lusitana. Tal crítica é “coisa de quem sem que fazer”, ou que ouviu o galo cantar, mas não sabe onde!

Muito mais dificuldades tiveram nossos predecessores, que tiveram de assimilar reformas sem o suporte que aí está à disposição de quem dele necessite. Considerem-se, por exemplo, os editores de texto que, devidamente, ajustados à reforma, proporcionam aos usuários a tranquilidade da aplicação automática das novas regras, com exceção de alguns casos, que podem depender do discernimento do usuário. Fontes de informação instantânea e recursos não faltam a quem se ocupa de escrever. Quem reclama o faz de barriga cheia! Dicionários eletrônicos estão aí disponíveis para consultas. Mas, aqui, esbarra-se no preconceito do escriba tupiniquim, que vê o dicionário como recurso destinado aos ignorantes e pobres de conhecimento, daí o apelido “pai dos burros” quando, na verdade, quem dele se vale é porque escreve com responsabilidade. Ainda que domine muito bem o idioma, ninguém é onisciente e, portanto, ninguém não está livre da necessidade de consultas ao dicionário. Só não precisa do dicionário quem não lê e não escreve! Cabe agora uma advertência: o Google não é dicionário!

Infelizmente, considerando-se o universo dos que têm acesso à internet e o potencial desta para ajudar o usuário, há muito desperdício de tempo e de dinheiro em jogos online (games), na caça a frivolidades e em propagação de fofocas pelo “Facebook”. O pecado não é exclusivo da juventude; muito marmanjo dá mau exemplo! O uso responsável do computador e da internet, fora do ambiente de trabalho, é coisa de pequena minoria. Em assim sendo, entende-se porque é tão difícil assimilar as novas regras ortográficas! Veja-se, novamente o caso do trema, tremendo desconhecido da maioria, que foi simplesmente abolido. Ora, se foi abolido, porque já o fora na pátria de origem da língua, e, aqui, não era usado, razão não havia para críticas e reclamações, mesmo porque o que se elimina por falta de uso não causa transtorno ao todo restante. Razões para se posicionar contra a medida chegam a ser surrealistas.

Tão logo se publicou o artigo anterior, este tupiniquim escrevedor teve de ouvir, de eventual leitora, singular protesto saudosista, quase uma declaração de amor ao falecido trema. Segundo ela, o que se fez contra o trema foi uma “maldade literária”, porque ele deixava as palavras “tão bonitinhas”!... Seu discurso pró-continuidade do trema prosseguiu por alguns minutos, mas eu não lhe prestei muita atenção, exasperado com tanta bobagem dita. Mas guardei a peroração: “o trema dava um ar de erudição à forma escrita da Língua Portuguesa! Isso não existe mais!”

Ao fim daquela conversa de dondoca “erudita” pensei: “Última flor do Lácio, inculta e bela” (no dizer de Olavo Bilac, em soneto); bela continuas, porém inculta é a gente, que te não compreende e te maltrata, ó língua do meu berço!

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