Cavalo e São Jorge

02 de Março de 2012
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Havia tomado curso definido, por tempo indefinido, na produção de textos aqui publicados, quando iniciei a série “Coisas de ontem... e de hoje”. Entretanto, nem sempre, ao se tomar um rumo, se vai direto pela mesma trilha, havendo atrativos, à margem, a sugerir desvios. Para quem escreve sobre assuntos diversos, por vezes, isso também acontece. Atendida as razões do desvio, volta-se ao curso original; e é o que pretendo fazer na próxima edição.

Sabendo que cabeça não é feita para cultivar cabelo e, muito menos, criar piolho, o oportunista está sempre atento às necessidades manifestadas no mercado e pronto para supri-las, no momento oportuno, de acordo com suas potencialidades. Já diziam nossos avós que, enquanto houver cavalo, São Jorge não andará a pé. E na vasta pastagem tupiniquim o que não falta é cavalo, de todos os tipos possíveis, para servir aos que deles sabem valer, sobretudo na era da informática e da internet, a reunir no mesmo espaço, o sábio e o estudioso, o esperto e o néscio. Sabia-se da internet como fonte, por exemplo, de trabalhos escolares destinados a estudantes preguiçosos, ou nem tanto estudantes, mas buscadores de diplomas por meios mais fáceis e inconfessáveis. A web é do bem ou do mal, dependendo de quem a usa e como é usada, podendo ainda ficar na faixa em que a lei não condena, mas ética e moral não aprovam.

Foi escancarado ao público, pela imprensa, o caso do ex-vereador que vende projetos de lei pela internet a quem queira, entre vereadores de todo o Brasil. Depois de ter exercido a vereança em Campo Mourão, Paraná, o ex-vereador descobriu maneira de ganhar dinheiro dentro da política, mesmo sem a ela estar atrelado por meio de mandato popular, valendo-se da preguiça ou mesmo incapacidade de muitos representantes do povo nas câmaras municipais. O site projetosdelei.com.br apresenta modelos de projeto em todas as áreas da administração pública municipal, vendidos em pacote mínimo de dez ao preço de duzentos reais. A ideia se revela rentável ao idealizador e salvação da lavoura para edis não afeitos a lucubrações ou esforços maiores da cachola, pois, em todo o país se constatam projetos idênticos aos da fonte, muitos deles já convertidos em leis.

A muitos pode parecer algo ilegal ou irregular a iniciativa do antigo vereador campo-mourense, que comercializa tais modelos. Não vejo por que tê-la entre atividades suspeitas ou marginalizadas, porque, na verdade, não passa de uma entre as diversas tarefas que cabem ao assessor parlamentar; a diferença está na abertura da assessoria do campo exclusivo e restrito para o geral e irrestrito, por meio da web. Boas oportunidades se mostram a todo momento, mas nem sempre pessoas estão disponíveis pessoas sintonizadas com ela. O ex-vereador soube aproveitar a oportunidade. Detectou mercado, que cresce a cada quatro anos com a eleição de tantos medíocres, que precisam justificar suas presenças no plenário e o que lhe pagam os legislativos, em todo o Brasil. Políticos, mais bem preparados e desejosos de prestar serviços, dispensariam grande número de assessores, mas não é isso que acontece, ensejando então a opção da assessoria virtual. Se a moda pega, o que pode acontecer é a redução do quadro de assessores parlamentares. Imagine-se o que poderá acontecer, se central de assessoramento vier a ser montada, na internet, para atendimento aos parlamentos nos três níveis. Muita gente perderá o emprego!

Quanto ao vereador no exercício de mandato, creio também não haver impedimento em recorrer a esse tipo de assessoria, configurando-se aí a mesma faculdade de recorrer à internet para obter o que lhe dá a assessoria exclusiva. Entretanto, esconder o fato do eleitorado e do público em geral, deixando a impressão que projetos apresentados se baseiam em ideias próprias, contraria a transparência que se espera de quem exerce mandato conquistado nas urnas; não se harmoniza com princípios éticos, dos quais políticos não deveriam se afastar.

O ex-vereador, com sua iniciativa, põe em destaque Campo Mourão-PR que, anteriormente, já figurava em roteiros turísticos graças ao “carneiro no buraco”, curiosidade gastronômica daquele município paranaense. A cada ano, em julho, cerca de duzentos buracos, cavados no chão, são usados como fornos para o cozimento da carne de carneiro, acompanhada de legumes diversos. Turistas de todo o Brasil ali, então, se reúnem para degustar a iguaria, exoticamente preparada, na Festa Nacional do Carneiro no Buraco.

De ora em diante, entre projetos apresentados nas câmaras municipais, é possível algum ter o timbre oculto de certo escritório de assessoria virtual, em Campo Mourão-PR.

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