Escola pobre e valiosa

26 de Janeiro de 2018
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Ao ver, pela televisão, o sufoco passado por pais na aquisição de material escolar para os filhos, salta-me da memória como eram os primeiros dias, na escola, há setenta anos. Ao contrário do grande e pesado volume levado pelo pequeno estudante de hoje, no meu primeiro contato com a escola levei um caderno de oito folhas de um branco encardido, um lápis preto, uma borracha e nada mais; era o necessário para aprender a garatujar as primeiras letras e palavras. O lápis ia apontado de casa, mas se necessário, a professora o apontava. Depois de um mês ou dois, cada aluno adquiriu uma cartilha de leitura, de autoria da própria professora. O material podia ser todo levado na mão, mas os mais bem aquinhoados o levavam em pasta de couro, pois nem se sonhava com a mochila que, hoje, faz de todo o mundo um arremedo de paraquedista. Alguns tinham o bornal ou capanga, feito de tecido grosseiro, onde se acomodavam seus pertences escolares. Quanta diferença entre aquela e a escola atual! Isso, para ficar só no material exigido.

A lista de hoje, em média trinta itens, nem parece destinada a alunos do mesmo grau e mesma instituição; por isso, a necessidade da mochila, pois, não fosse ela, cada aluno teria que empurrar um carrinho de mão de casa até a escola e vice-versa. Pergunta-se: há necessidade de todo o material exigido? Se há, como foi então que a professora conseguiu ensinar e os alunos conseguiram apreender naquela época? Durante todo o primeiro ano, o aluno levava somente aquele material. O caderno era substituído por outro igual somente depois de esgotado. Cada aluno era estimulado a usar bem o lápis para que não se consumisse muito rápido, o mesmo se procedendo em relação à borracha. Era proibido desperdiçar!

As instalações, muito precárias, não tinham água e, consequentemente, também não tinham instalações sanitárias. Cada qual que se virasse como pudesse; ou resolvesse tudo em casa, antes ou depois da aula. Água para beber, depositada num filtro de cerâmica, era providenciada pela professora junto à vizinhança. A limpeza também era com ela, pois não havia nenhuma servente. Como não havia água encanada e nem banheiro, nem é preciso dizer que cantina, cozinha e comida eram coisas com as quais nem se sonhava dentro da escola. O aluno que quisesse, ou pudesse, que levasse sua própria merenda (a palavra lanche era então desconhecida na região). Alguns alunos, furtivamente, beliscavam a merenda antes do recreio, merecendo punição que, de acordo com cada professora, podia ser o acompanhamento da aula, de pé junto à parede, privação do recreio, ou qualquer outra restrição branda, que representasse sacrifício para o infrator, levando-o ao respeito às regras. A escola não era para tão somente aprender o bê-á-bá, cuidando também para que nela se assimilasse tudo o que fosse necessário à formação do cidadão. E isso começava pela disciplina. Ao falar de disciplina é bom lembrar que “comer a merenda antes do recreio” virou expressão para retratar, na vida civil, outra situação, que também podia redundar em sanções vexatórias, quando não em tragédia.

Consistido de camisa branca para os dois gêneros, calça curta (pouco acima dos joelhos) azul marinho para os meninos e saia azul marinho, pouco abaixo dos joelhos, para as meninas, o uniforme era obrigatório, mas o calçado ficava a gosto e condições econômicas de cada um. Uns poucos compareciam de sapatos e meias brancas, outro tanto se calçava com tamancos ou chinelos, mas a grande maioria ia descalça mesmo. O pior era no inverno, porque geada era real, estava por onde se andava; não apenas vista, como hoje, na televisão. A indumentária pouco variava do verão para o inverno, com exceção de uns poucos que podiam calçar sapatos e portar bons agasalhos; mas as salas de aula se mantinham cheias. Alunos residentes na área rural mais distante, havendo determinação de suas respectivas famílias, não deixavam de estudar só porque moravam longe. Quem dispunha de cavalo comparecia montado. Quem não tinha valia-se das próprias pernas.

As condições precárias, sem sequer ter prédio próprio, faziam da escola retrato socioeconômico da própria comunidade, também pobre, porém determinada a dotar os filhos do melhor em educação, oferecida pela rede pública naquela época. Para isso, não se contava com recursos materiais que, conforme já dito, eram escassos, mas com a força moral humana, bem preparada e orientada para o ensino, à qual correspondia o alunado com respeito, disciplina e vontade de aprender, fatores determinantes assimilados junto às famílias, por trás de todo o processo.

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