Lagartixas vistas como crocodilos

27 de Abril de 2016
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Na mídia, de vez em quando, perde-se a noção daquilo que, realmente, merece destaque, elegendo-se fatos, se não corriqueiros, pelo menos, não merecedores de tanta atenção. Em outro aspecto da questão, especialmente na televisão, chega-se ao ridículo com exageros, que vão se tornando comuns nas narrativas. Em programas policiais, o delinquente ou criminoso, para escapar da polícia, embrenha-se na “mata fechada de difícil acesso”, mas o que a câmera mostra é um matinho rasteiro, insuficiente para esconder um gato.

Certa vez, várias chamadas para jornal televisivo adiantavam que a laje de um prédio público teria desabado, mas ninguém se ferira porque, naquele momento não havia ninguém no local. Na reportagem, o que a câmera mostrou foi algo como um metro quadrado de estuque de gesso, que se desprendera do teto e se despedaçara no chão; nada de laje ou mesmo perigo de ferir alguém gravemente. O apresentador do jornal, não sendo ele o autor da matéria, deve ter ficado constrangido por contrariar as expectativas do telespectador que, diga-se de passagem, quer ver o pior, embora, hipocritamente, critique a imprensa por mostrar tanto sangue. Outro exemplo do exagero deu-se em reportagem em torno de importante reunião política, quando um participante, para dar ênfase a uma passagem do seu discurso, bateu com os punhos cerrados sobre a mesa. Na chamada para a matéria, foi dito que o político teria dado um murro, levando o telespectador a imaginar a mesa partida ao meio com um golpe de karatê! Mas, o cúmulo mesmo veio de conhecido apresentador de programa policial, no douramento da matéria em foco, dizendo que São Paulo estava sob um claro luar. Nesse caso, não houve exagero, porém uma tremenda mentira! A lua estava na fase nova; justamente a oposta à lua cheia!

Nem sempre o telespectador percebe, mas reportagens estão cheias de equívocos curiosos, não nos fatos em si, porém agregados pelo repórter, convicto de que é esperto e “abafa” com suas narrativas. Imagine-se o que acontecia no tempo do império do rádio nos meios de comunicação! No áudio, sem o contraponto da imagem, o radialista ficava à vontade para descrever a cena do jeito que quisesse. Quanta mentira e bobagem o ouvinte deve ter engolido! Mas, voltemos à abordagem inicial do texto, ou seja, o enaltecimento de fatos ou feitos não enquadrados dentro do extraordinário. Há poucos dias, jornal televisivo destacou o fato de um soldado do exército colombiano ter passado vinte e um dias perdido na selva de seu país e ter sobrevivido. Pergunta-se qual o extraordinário nisso. Vivido por um civil, tudo bem, o fato seria uma façanha. Mas, em se tratando de um militar, ele não fez mais do que sua obrigação, pois é isso que se espera de um soldado, sobretudo se treinado para ações contraguerrilhas, como se presume. Ainda que não houvesse antecedentes similares de sobrevivência na selva, o caso estaria dentro do esperado de um militar.

Veja-se o exemplo do soldado japonês que, não acreditando que a Segunda Grande Guerra havia terminado, permaneceu escondido nas selvas filipinas, pronto para a luta, durante vinte e nove anos. Como oficial, a princípio ele comandava pequeno grupo, mas depois permaneceu sozinho. Resgatado pelo seu antigo comandante (já desligado do exército) ele retornou à sua pátria e, posteriormente, veio para o Brasil, onde morou por quatorze anos depois dos quais, retornou ao Japão. Ele faleceu, há dois anos, aos noventa e um anos de idade.

Sobrevivência, por menor tempo, porém carregada de maior dramaticidade foi a dos dezesseis uruguaios que passaram setenta e dois dias perdidos, no alto gelado da Cordilheira dos Andes, depois da queda do avião que os conduzia ao Chile. Depois de consumida o pouco de comida, que levavam, restou-lhes comer a carne de parte dos corpos dos outros vinte nove ocupantes da aeronave. Na condição de civis, sem treinamento específico e sem esperanças de serem encontrados, devido ao local inacessível e condições atmosféricas, extremamente desfavoráveis, aqueles uruguaios realizaram espetacular façanha. Não só a resistência física e psicológica, diante da adversidade, mas, sobretudo, a decisão de se alimentar dos corpos dos companheiros, como procedimento extremo, para a preservação de suas vidas, elevou o grupo a patamar mais alto no merecimento do respeito humano.

Muitos outros exemplos de sobrevivência dramática se contam entre pessoas comuns, em terremotos, desabamentos, inundações e situações específicas vividas pelas vítimas. Portanto, a sobrevivência do soldado colombiano a vinte e um dias de solidão na selva não constitui façanha; soldado, presume-se, é preparado para isso!

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