Pesadelo entre sonhos

20 de Abril de 2016
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

A vida é uma sucessão de provas, experiências e lições, da qual não se tem plena consciência antes que os anos se acumulem inserindo-nos, assim, na alta minoria da população. Antes de entrar na segunda metade da centúria, as atenções estão voltadas, quase que exclusivamente, para a “conquista” do mundo, imaginado, amoldado e dimensionado de acordo com as metas pessoais estabelecidas. Comemora-se cada vitória como mérito pessoal, debitando-se fracassos à má sorte, quando não a interferências de outrem, e momentos infelizes levados à culpa do destino. Nem mediante exemplos claros de fatos, a princípio considerados frustrantes, mais tarde reconhecidos como impeditivos do pior, se convence de que tudo tem um propósito e nada vida acontece simplesmente por acontecer.

Aqui, entre muitos casos que coleciono, relato um dos mais convincentes do que digo. Certa vez, estando em São Paulo, depois de alcançar um propósito pessoal, decidi retornar a Ouro Preto e, para isso, do ponto afastado em que me encontrava, iniciei procedimentos para chegar à estação rodoviária (antiga) e adquirir a passagem para determinada hora, à noite. Tudo havia corrido bem, mas a partir daquele momento, pareceu-me haver uma conspiração contra minha viagem no horário pretendido. De repente, ao sol abrasador sucedeu uma chuva fina e fria, o trânsito se enrolou e o táxi, que me servia, enguiçou. Hora do “rush”, chuva, trânsito congestionado e veículo que não cumpria sua função de andar normalmente somaram-se como fatores determinantes a contrariar o que eu pretendia. Não haveria tempo para ir buscar bagagem, a menos que adiasse a hora da partida em, pelo menos, quinze minutos.

Muito contrariado e a lamentar todos os fatos, então considerados negativos, adquiri a passagem para horário posterior. A partir daquele momento, tudo passou a correr sem problemas. Embarquei e, ao chegar, mais ou menos, à metade do percurso, lá estava o que considero a razão oculta do atraso forçado da viagem: o ônibus no qual quis embarcar estava “engavetado”, numa terrível colisão frontal, com outro da mesma empresa, que rodava em sentido contrário; só no local, quatorze mortes. Fatores, então considerados negativos, que me levaram ao atraso, na verdade, foram a mão do invisível a evitar que eu estivesse entre as vítimas da tragédia.

Assim como este, falhas, insucessos, frustrações e circunstâncias consideradas negativas, nas primeiras fases da vida, podem ser “topadas” que, no futuro, ajudam a caminhar. Essas considerações tiveram o foco da minha atenção, durante quinze dias, incluindo-se a Semana Santa quando, por força de uma cirurgia de reversão das pálpebras, fiquei de “olhos costurados”, portanto, parcialmente, impedido de ver. Sob a aparência de zumbi, ou personagem de filme de terror, entreguei-me à imaginação e rememoração, temperadas com audição de música dos grandes mestres, felizmente preservada e divulgada pela moderna tecnologia. Pena que, de vez em quando, o bem estar era alterado pela intervenção de algum “jeca do asfalto” com os sons graves de suas tralhas eletrônicas a trovejar e chacoalhar vidraças; nada fazer, senão reclamar, enquanto as autoridades se fingem de mortas diante dos abusos, agressões aos ouvidos e à saúde humana! A boa música era alternada, periodicamente, com noticiário atualizado, destaque para o vergonhoso quadro político brasileiro, marcado pela antiética, mentira e corrupção sistematizada.

É importante lembrar que, dos poderes da República, o único altamente qualificado é o Judiciário. Para ser juiz de comarca, início da carreira, o profissional tem muito e muito a estudar, manter-se atualizado, estar disposto a sacrifícios e renúncias, ao contrário do Executivo e do Legislativo que podem ser alcançados até por semialfabetizados. Portanto, dá o que pensar o fato de ex-presidente da República dirigir insultos aos ministros membros do Supremo Tribunal Federal, desprezando o que eles representam dentro do arcabouço jurídico, que dá qualidade à nação brasileira, não obstante o Estado, eventualmente, corrupto. A que ponto chegou a inversão de valores neste país!

Noutro episódio, a eventual presidente da República, em evento oficial com sabor popularesco, foi flagrada em mais mentira, na tentativa de cooptação dos menos esclarecidos, ao dizer que seu telefone fora grampeado pela Polícia Federal. Quem tem acompanhado o desenrolar dos acontecimentos sabe que, no caso referido por ela, o telefone sob vigilância autorizada pela Justiça era o chamado por ela, coincidentemente pertencente ao seu antecessor, guru político e interlocutor naquela conversa; conversa que mais parecia de dois quintas-colunas a confabular suas tretas e mutretas.

Do que ouvi, nos quinze dias de ceguinho temporário, salvou-se a música!

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