Por que Ouro Preto deve a vida ao IPHAN?

01 de Setembro de 2017
Jornal O Liberal

Jornal O Liberal

R. Koeppel (*)

No dia 24 de março de 2017 tivemos uma ótima reunião com o pessoal do IPHAN, da Igreja, da Câmara de Vereadores e da Comunidade de Glaura. Visava a reforma da Igreja Matriz de Glaura, interditada desde meados de 2016 pois o pórtico principal tem rachaduras. E os cupins estavam se deliciando com as imagens sacras, felizmente agora removidas e protegidas.

Gostaria de contar uma história muito pouco conhecida. Se hoje Ouro Preto existe, devemos a uma pessoa que nasceu em Glaura e que, de forma indireta, deu origem ao IPHAN. Sem o IPHAN, Ouro Preto teria tido o mesmo destino que as cinco magníficas casas das famílias de Glaura (restaram alguns muros) no século XVIII tiveram: foram desmanchadas para se usar os blocos de granito em outras obras...

Estamos em 1808. Com a vinda da família real portuguesa para o Brasil, fugindo de Napoleão, abrem-se os portos às nações amigas. Pela primeira vez, após 308 anos, é possível visitar o Brasil, oficialmente. Inicia-se a época dos grandes cientistas / viajantes / visitantes: Saint Hilaire, Burton, Spix & Martius e tantos outros. Todos eles passaram por Vila Rica. A Princesa Leopoldina manda buscar o Presidente da Academia de Ciências de Viena, Rochus Schüch, para fazer um estudo sobre as Minas Gerais. As Minas Gerais já era o estado mais populoso do Brasil, mais rico, mas era uma região ainda desconhecida. A princesa Leopoldina entendia das coisas – se você conhece, você gosta! Rochus, geólogo, fica por aqui, ao terminar seu contrato. Tinha se casado com uma alemã de Nova Friburgo e tinha um filho, Guilherme Schüch. Havia comprado a Serra de Capanema, onde viviam e havia ainda muito ouro. Passeava com seu filhote pela região de Caza Branca (hoje Glaura).

Registro para você, que talvez não conheça, que a Igreja da Fazenda Capanema ainda está lá no alto, bem como as ruínas da Fazenda. Felizmente, hoje bem cuidadas. Um lugar bonito, digno. E atrás da Serra de Capanema, você vai ver outro lugar de sonho – A Serra do Caraça com o famoso Colégio! Para ir ao Caraça, os cavaleiros usavam o caminho mais curto: vinham de Vila Rica, passavam por Casa Branca (Glaura), subiam por uma fenda na Serra e entravam no vale que termina no Colégio. Um lugar mágico! Paredões de 1.000 m de altura, montanhas com 2.000 m de altura, cachoeiras, prados, bosques.

No Rio de Janeiro, Pedrinho, o futuro Dom Pedro II, foi abandonado pelo seu pai D. Pedro I. Este, muito louco, depois de ter tornado o Brasil independente de Portugal, retornara para casa. Foi aprontar confusões em Lisboa. O Regente Feijó, responsável pela educação do futuro Imperador, coça a cabeça: Pedrinho precisa ser bem educado para ser o II Imperador do Brasil. Uma preocupação daquela época, hoje meio esquecida. Com Tiririca, pior não fica... Rochus Schüch é convidado e se muda com a família para o Rio de Janeiro, pois Rochus sabe das coisas – matemática, história, logaritmos, religião, física, química, etc. Passa a ser o Professor multiuso de Pedrinho. Os dois jovens, Pedrinho e Guilherme, crescem juntos. O problema do Regente Feijó fora resolvido.

Ainda bem jovem, tão logo Pedro II começa a gerir o Brasil, dá um prêmio para Guilherme Schüch – custeia seus estudos de engenharia na Europa. Confirma-se: Sempre é bom ser amigo do Rei, como Manuel Bandeira nos ensinou ser comum em Pasárgada... Tô quereno ir prá lá!

Quando Guilherme retorna, Pedro II diz: Com este nome difícil, Schüch, você não vai a lugar nenhum! A partir de hoje você se chama Guilherme S. de Capanema, uma homenagem ao lugar onde você nasceu. E passa a ser o Barão de Capanema! E assim foi. Vamos cortar uma história longa, pois temos pouco espaço aqui. A vida do Barão de Capanema, se resumida aqui, ocuparia varias edições de O LIBERAL.

Ouro Preto está à morte. Por volta de 1895, os trens chegam vazios e partem lotados – pinicos, pianos, picaretas, prostitutas, tudo! Destino: a nova Capital de Minas, Belo Horizonte. Inaugurada com grandes festas em 1897. Já se passaram 120 anos, parece que foi ontem. Ninguém se lembra ou quer se lembrar de Ouro Preto. BH é a nova “rede social”, o “facebook” da época! Todo mundo quer estar lá e não aqui!

O tempo passa. Guilherme S. de Capanema teve filhos e netos. Um deles se chama Gustavo Capanema. Estamos agora em 1936. Ouro Preto vai sendo desmontada, pedra a pedra. Meu pai, que desde 1938 já vinha a Ouro Preto, sempre gostou daqui – tenho fotos dele com o Itacolomy ao fundo. Vir de Belo Horizonte à Itabirito era coisa difícil, usando a estrada de rodagem que vinha de Nova Lima – Rio Acima e que iria terminar em Juiz de Fora – chegava-se à Itabirito cuspindo tijolos de minério de ferro. De Itabirito à Ouro Preto, uma estrada estreita. E tome poeira!

Continuemos em 1936. Alguém na Capital da República, Rio de Janeiro, descobre que havia em Minas Gerais, 200 anos antes, um lugar importante onde havia cultura, arte, riqueza e inteligência. Um grupo de intelectuais paulistas e cariocas, numa ideia de Mário de Andrade, resolve vir conhecer o que era esta coisa única, agora desconhecida – no interior do país, perdida no tempo. Horror! Descobrem que Ouro Preto está sendo demolida, gradativamente.
Só há uma maneira de impedir que isto prossiga. Um grande mineiro, Gustavo Capanema, Ministro da Educação, propõe a criação do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Que inicia a luta eterna da preservação histórica de Ouro Preto e de todo o Brasil. Seu primeiro presidente foi Rodrigo Melo Franco de Andrade e o IPHAN se torna uma grande organização nacional. Um novo Brasil desponta.

Avancemos para 1969. O Centro de Ouro Preto está muito degradado, mas as igrejas e outros objetos de arte foram preservados. Ainda não há casas subindo morro acima. A área da Bauxita está coberta de eucaliptos ou gramados. A Escola de Minas (hoje UFOP) está na Praça Tiradentes, ainda. E lá está o moderno computador IBM-1130 que, como funcionário da IBM, tive a honra de instalar. Um enorme computador científico, com 16 Kbytes. Hoje não daria nem para guardar uma foto do lado direito do bigode do Barão. Eu me divertindo com o Professor Calaes, uma personalidade única em Ouro Preto. E o IPHAN atuando, com enormes dificuldades. Só malucos trabalham numa coisa tão difícil assim. As verbas são sempre insuficientes, os cupins ganham muitas batalhas. Algumas paredes racham. Alguns telhados caem. Mas o IPHAN, responsável por preservação da memória em todo o Brasil, está em Ouro Preto, prestigiando o lugar onde foi concebido!

Finalmente, o esforço vale a pena. Poucos anos depois Ouro Preto recebe o título de Patrimônio da Humanidade, um dos primeiros concedidos pela UNESCO! E o mundo nunca mais seria igual! Acho importante registrar que a Inglaterra somente em 1972 criou um serviço similar ao IPHAN. No Brasil isto ocorreu em 1936. Muitos outros países ainda não tem isto e vão, gradativamente destruindo a história de Humanidade... Neste contexto, coisas terríveis estão ocorrendo hoje, agora, em países onde a cultura humana floresceu, na Mesopotâmia...

Tem site bonitos na Internet, sobre Ouro Preto. Mas ao passear, com tecnologia digital, “pela Internet, na nuvem” você não terá as emoções que tem ao passear ao vivo por Ouro Preto! Fotos digitais coloridas são legais, mas são insonsas, não têm emoção, não tem história... A garoa, as cores, os sabores, os cheiros, os ruídos, os olhares e os sorrisos, você só encontra no mundo real!

Você encontra numa cidade que tanto gostamos, a “nossa” Vila Rica! Portanto, amigo, nada de Internet e nuvem. Venha voar, ao vivo e a cores, passeando pelas ruas de Ouro Preto! Conheça o verdadeiro “pó de pirilimpimpim”, como Monteiro Lobato ensinou, que lhe fará voar: conversar com gente, tomar um café, conhecer o Hotel Toffolo, onde você verá uma poesia de Carlos Drummond de Andrade na parede. Nela, CDA explica que em Ouro Preto há mais o que comer, além de boa comida. E, se você ainda não sabe, em Ouro Preto, cada vez há mais coisas para se comer, além de boa comida: arte, cultura, música, gastronomia, natureza, gente!

Estamos em 2017. Se antes já havia muitas dificuldades para recursos destinados a proteção do Patrimônio Histórico, agora, no “Brasil moderno”, isto tem escala gigantesca. Missão para Super-Homens (e Super-Mulheres, pois tem delas também no IPHAN). A Igreja de Glaura merece ser restaurada. Os estudos técnicos estão sendo revistos. Mas já ouvimos isto antes. Há 15 anos o projeto de reforma estava pronto. Nada foi feito. O pórtico principal rachou... Agora os custos de reforma quintuplicaram. E os recursos do IPHAN minguaram. O IPHAN tem gente boa e competente. Mas sem recursos, só com milagres! E milagres andam meio raros. Dizem que na época de Jesus Cristo eram mais comuns. Mas até Jesus, que era bom, só fazia milagres mais leves – tipo pão e vinho... Nosso desafio será hercúleo. Mas se não fizermos nós, quem o fará por nós?

Será que rezar para São Temer ajuda? Ou será melhor rezar para São Renan? Ideias e sugestões e, quiçá, patrocínios de gente boa e que quer deixar algo de bom para os netos, são bem vindos.

(*) _Rodolfo Koeppel mora em Glaura. Mas vem a Ouro Preto há muito tempo. Antes de instalar o primeiro computador na UFOP, em 1969, já vinha à Ouro Preto com seu pai, desde o final dos anos 1940, frequentemente. Depois de 1970 fez muitos trabalhos na região. E quer continuar a fazer coisas concretas e ser feliz aqui. Ser feliz na “nuvem” é para urubu... E você não é um, certo? Você também quer ser feliz aqui? Faça contato: Rodolfo.koeppel@gmail.com_

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