Preferência pelo mau gosto

14 de Janeiro de 2016
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Diz a sabedoria popular que questão de gosto não se discute. Não se discute e, por isso mesmo, por mais belos que sejam os olhos, sempre haverá quem prefira a remela. É a vantagem da grande diversidade existente no grupo humano, possibilitando a cada indivíduo encontrar seu lugar, dizer não ao nivelamento do modo de vida e expressar sua personalidade. Seria monótono o mundo, se assim não fosse, um grande vazio por não haver a contradição, a incoerência, a negação, a discrepância, a oposição. Por ser amplamente diversificado, há oportunidades para tudo e para todos. O mesmo barco, hoje na elevação, amanhã estará na depressão entre uma e outra onda. No quotidiano de um, o sol é vida, no de outro pode não ser tanto, e, para quem tem a manhã como hora mais produtiva, há sempre o que prefere a noite. Nesse universo dos contrários, cada indivíduo, mesmo sendo parcela do todo, é um mundo à parte com características bem próprias e, por vezes, completamente avessas às da maioria. Essas são peculiaridades que, nem sempre se tornam conhecidas, se não reveladas pelos próprios portadores.

Na estação mais fria, o choque provocado pela baixa temperatura é sentido pela maioria, ao amanhecer, na cama, quando se livra dos cobertores. Em consequência são muitos os atrasos ao trabalho, faltas às aulas, pois o organismo, sonolento e propenso ao prolongamento do descanso, não reage bem à diferença de temperatura. Essa é a tendência da grande maioria, ainda que, ao contrário, seja forçada pela necessidade premente de assumir suas ações quotidianas. Este tupiniquim, no entanto, não tem qualquer predisposição contra a diferença sentida, levantando-se, normalmente, bem antes do nascer do sol, em qualquer época do ano. Sua reação contra a diferença de temperatura é na hora inversa, ou seja, à noite, ao se deitar, sentindo a cama bem mais fria que seu corpo. Embora rápida, a sensação desconfortável o faz preferir a hora de se levantar. Por que isso? Não se explica, mas... são coisas da natureza humana! Mas, esse estranho comportamento não é sua única marca pessoal, registrando-se também forte aversão ao uso de determinado tipo de peça do vestuário.

Os pés, por sua importância na sustentação do corpo, equilíbrio e mobilidade, merecem atenção especial, razão pela qual também o calçado se reveste de igual importância, considerando ainda que ele deve proteger os pés contra agentes estranhos, desde objetos perfurantes até parasitas invasores. Em todo o mundo, o clima também exerce influência, quanto à forma do calçado, na proteção contra o frio intenso, ou contra o calor que, em alguns casos chega a queimar as solas dos pés. A bota prevalece no frio extremo e para enfrentar o calor há o chinelo. Na onda do chinelo, entra o Brasil com seu clima tropical, temperado com poucas variações, durante o ano, nas regiões Sul e Sudeste. É dentro da variedade de chinelos, disponível no mercado, que se revela aversão pessoal contra um tipo específico, ressaltando-se que se trata de peculiaridade ou idiossincrasia, entre as referidas anteriormente, que separam um indivíduo ou grupo do todo, mais ou menos uniforme.

O chinelo, alvo da aversão ora revelada e merecedor das críticas, que se fazem em contundência, é o de borracha, vulgarmente chamado “de tiras”, “de dedo”, mas que este tupiniquim sempre preferiu chamar “de malandro” (nenhuma ofensa contra quem o usa) para ficar bem clara a ojeriza pessoal contra tal tipo de calçado. Não se entende a grande preferência por algo que, além de desconfortável, não oferece a segurança que se espera para os pés! Ele não protege contra a ponta de um prego no caminho e desconfortável, sim, porque aquela coisa junto à parte mais sensível entre os dois dedos, não faz carinho, mas pressão que incomoda. Observe-se que alguns pés ficam deformados pelo uso constante daquela coisa. Depois de algum tempo surge um “buraco” como um grande prego ou parafuso que tivesse sido introduzido entre os dois dedos, só não acontecendo o mesmo quando os dedos são mais separados.

No fim do ano, o público foi informado de que o maior fabricante de tais chinelos havia vendido sua fábrica para outro grupo industrial pela bagatela de pouco mais de dois bilhões e meio. É claro que o tal chinelo é apenas parte de outros calçados produzidos, mas saber que algo tão desprezível (opinião pessoal) seja parte de tão grandiosa negociação dá o que pensar. Mas o que mais chama a atenção é que a vendedora está envolvida, até o pescoço, na operação Lava Jato, o que torna óbvios os motivos da venda. Do outro lado, o grupo comprador é dono da marca de carne bovina mais presente na mídia, apresentada por destacado astro de telenovelas. Conclusão: mau gosto também dá dinheiro e “pé-de-chinelo” nem sempre é qualificativo de ladrão pobre!

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