Sobre a realidade cômoda ou o cristo semanal

22 de Setembro de 2017
Neto Medeiros

Neto Medeiros

Nesta semana ganhou repercussão quase mundial o lance de Jô e seu gol de mão. O atleta brasileiro agora pode se comparar a Maradona. Mas diferente do argentino, que é idolatrado em sua igreja maradoniana onde o batismo dos novos convertidos incluem como ritual a “La mano de Dios”, ou seja, o gol antológico do ídolo argentino na final do mundial diante da Inglaterra, aqui, o feito foi exaustivamente problematizado.

Vejamos como a realidade é relativa no Brasil. Para níveis comparativos, estabeleceu-se conexão com o lance em que o próprio Jô foi beneficiado pela confissão de Rodrigo Caio, zagueiro do São Paulo, que livrou o jogador corintiano da suspensão no próximo jogo, onde ele iria fazer gol inclusive. Pois bem, a ética é constantemente evocada ao comparar quem rouba 1 real a quem rouba 1 milhão. Será mesmo?

Outro exemplo, ainda no futebol. A seleção brasileira de futebol, ou melhor, a CBF, pessoa jurídica cujo presidente não pode sair do país para não ser preso, rompeu recentemente com a Rede Globo de televisão contrato de cobertura referente aos amistosos do time nacional. Talvez por retaliação às recentes denúncias, ou mesmo por questões econômicas, já que a maioria das equipes européias fazem isso em seus jogos, tendo transmissão própria de seus jogos e assim amealhando muito mais grana. Fato é que o time de Tite só existe para a Globo quando ele disputa as eliminatórias. Já reparou nisso? Há no Youtube inclusive um vídeo em que Silvio Santos cobra de Roberto Marinho, ironizando o dono global sobre sua idade avançada e a proximidade com a morte, de que liberasse os artistas de seu canal para passarem na emissora do Rio, pois o boicote prejudicava comercialmente os contratados do SBT. Sem falar sobre o apoio, como outros diversos meios de comunicação, à intervenção e ditadura militar, como grande parte da sociedade civil apoiou à época. Por isso, desde aquela época, eclodem sentimentos dúbios e paradoxais no Brasil, como a bobagem de “direitos humanos pra bandido”, de que a “ditadura foi boa” e etc...

Enquanto falamos do Jô, o ministro do STF que muitos dizem ser advogado de uma facção criminosa, Alexandre de Moraes, derrubou a obrigatoriedade do PROFUT, lei que exigia a transparência e pagamento de divida dos clubes, sob risco de punições e rebaixamentos. Passou batido né!? Quase não teve repercussão na mídia né!? E aí!? O que é mais importante para a moralidade do futebol? Qual notícia se refere ao mundo prático e qual se limita ao campo da disputa esportiva? Qual impacta diretamente a realidade? O espetáculo simbólico deve prevalecer sobre a realidade empírica?

Sempre que a gente diz algo sobre a população brasileira é na terceira pessoa. Sempre a gente atribui ao brasileiro o pior e o melhor do país, como se nós fossemos americanos, europeus ou marcianos. A gente exige do Jô uma mudança que deve partir de dentro pra fora! A gente quer que o futebol conserte a sociedade, e não o contrário!

O Brasileiro, ou melhor, NÓS brasileiros, devemos parar de querer que o outro, ele ou o Estado, resolva as coisas. Claro que fazemos parte de um todo poderoso, mas se ninguém fizer nada, tiver gentileza ou não acreditar no futuro, é melhor desistir. Abandonar a barca.

Na iminência da piora, com um cenário onde Bolsonaro é alguém em quem as pessoas acreditam, com Minas no mar ou não, onde juiz volta com a doença da homossexualidade e político quer criminalizar todos os abortos, só falta mesmo a volta da inquisição e livros queimados, porque até exposição está sendo censurada. O país voltou 50 anos em menos de dois.

Outro dia furtaram minha bicicleta. Fiquei muito revoltado. Nunca tive tanta vontade de deixar o país como agora. Exilar-me feito os artistas de 60/70 que deixavam esta nação não porque não a amavam, e sim porque a vida não tinha qualquer valor aqui, como agora. Onde os jovens negros são abandonados e assassinados. Onde se pratica um genocídio contra a população mais vulnerável do país. Onde ainda se mata a mando. Onde se morre de fome, de frio, de medo...

Mas mesmo que saia ou não, mesmo que desista ou não, mesmo que sucumba ou não. Além da esperança e da fé, sei que qualquer mudança, por mais morosa que seja, tem um começo. E esta mudança parte de mim! Sei que o cara que pegou minha bicicleta não é pior ou melhor do que eu. Ele só se sentiu neste direito porque quando liga a TV vê todo dia os mesmo pilantras engravatados com malas de milhões. Em todo canto que olha só salafrário, executivo, legislativo e judiciário. Ele vê que roubam dinheiro da merenda, que vendem sentenças, que negociam editais, que vendem oxigênio ou remédio vencido, que receitam comprimido pra glaucoma pra ganhar mais, que não têm nenhum pingo de remorso em fazer o brasileiro pagar sempre mais, com a vida ou o dinheiro, e quem sempre se fode é a base da pirâmide...

Por isso, antes de ser teleguiado de novo, pense na prioridade e de como a realidade cômoda, como a ética, não existe. Existe somente uma ética e uma realidade. O valor que atribuímos ou não para as coisas são outros quinhentos. Todo mundo sabe que não se deve furar fila, fingir que não tá vendo o velho no busão ou no metrô, dar o troco errado...

E a pior mentira é aquela criada para si próprio, em justificativa de qualquer atitude, por mais ou menos baixa que seja. E antes de julgar de novo o Jô, que tal se perguntar: e se fosse eu, teria admitido?

Liberte seus ouvidos e sua mente!

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