Verdadeiro representante do povo

03 de Janeiro de 2011
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Embora no recinto não estivessem todos os senadores, contando entre eles os que, malandramente, anteciparam o recesso de fim de ano, a cena deve ter sido hilariante, ainda que revoltantes os fatos nos quais teve origem. Os senhores senadores, do alto do cargo e cheios de pose, naturalmente a esperar que a solenidade, dentre as que servem para dissimular culpas junto à sociedade, transcorresse dentro da rotina prevista, não contavam com a reação insólita do “homenageado”.

Não contavam com a coragem do Dom Manuel Edmilson da Cruz, bispo emérito de Limoeiro-CE, cujo nome faço questão de citar, contrariando com prazer norma adotada de não citar nominalmente protagonistas de fatos aqui comentados. É que, com o gesto, extrapolou sua própria individualidade e incorporou o coletivo nacional, realizando o que brasileiros decentes pensam e gostariam de fazer se coragem, meios, e oportunidade tivessem. Estão acostumados com críticas feitas de longe, muitas vezes anônimas, sem ter que encarar, de frente, o contestador; razão pela qual, alguns, não muitos, que ainda conservam resquícios de vergonha na cara, devem ter tido vontade de ali não estar. Viveram momento, que sugere, ao focalizado, mergulho de ponta cabeça em grande vaso sanitário e acionamento simultâneo da descarga! Foi a primeira vez - e tomara tomem vergonha para que o fato não se repita - que alguém foi dizer o que pensa ante suas fuças, na Casa do Povo, que imaginam ser sua! Houve quem dissesse não ter sido “adequado” o fato de o bispo ter ido ao Senado para, ali, recusar a homenagem e protestar solenemente contra as diatribes de políticos, entre as quais a majoração dos próprios subsídios, equivocadamente chamados salários. De acordo com opinião da mesma pessoa, o mais correto teria sido o não comparecimento do bispo, pois este causou “mal estar” entre os senadores. Pois foi mais correta a atitude do bispo que, se lá comparecesse, poucos teriam sabido dos motivos da recusa.

Na contramão do salário mínimo, cujo reajuste não alcança seis por cento, os parlamentares, reunidos em sessão rápida e rasteira, tiveram a cara de pau de elevar em mais de dez vezes o que eles recebem para representar o povo, mal e “porcamente”. A comenda “Direitos Humanos Dom Helder Câmara”, criada pelo próprio Senado para homenagear personalidades de destaque na promoção e defesa do ser humano, tem contra si a política incoerente dos parlamentares, que afrontam todo o povo e cada cidadão/cidadã, em particular, contribuintes de impostos que deveriam se reverter em benefício da coletividade. Enquanto reajustam seus próprios subsídios à velocidade do jaguar, o salário caminha em “ritmo de lesmas”, como disse o bispo “homenageado”.

Com o ato da recusa da comenda e descompostura passada nos políticos, Dom Manuel Edmilson da Cruz se comportou como verdadeiro representante e defensor do povo brasileiro. Lavou a alma de milhões cidadãos que, a cada campanha eleitoral, são enganados com promessas vãs; de milhões de anciãos, aposentados e pensionistas tratados como estorvo pela Previdência Social, cujos objetivos foram desvirtuados por políticos; de milhões de cidadãos, cujas vidas poderiam seriam menos sofridas, se seus representantes se interessassem realmente pela sorte do povo.

O episódio da majoração descarada dos subsídios parlamentares foi mais uma prova de que políticos pensam mais em si próprios e estão protegidos pelo próprio sistema corporativo/partidário; por isso mesmo, não merecem crédito, enquanto todo o arcabouço político não for reformulado. E a questão da credibilidade não se prende somente ao Brasil, pois também em países onde há mais seriedade e punição para corruptos, políticos estão presos por corda enlaçada no pescoço, faltando apenas quem chute o tamborete, que têm sob os pés.

O conceito de democracia, no qual a relação política entre governo e nação se faz por intermédio de partidos, está ultrapassado. Verdadeira democracia só haverá quando a Política for praticada diretamente pela sociedade organizada, sem a interveniência de qualquer partido. Partidos políticos já fizeram mal demais à humanidade!

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