Ouro-pretano se defende e ganha ação do IPHAN

Ouro Preto,
05 de Outubro de 2012

A Justiça Federal em Belo Horizonte deu ganho de causa a um morador do centro histórico de Ouro Preto em uma Ação Civil Pública, proposta pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A sentença do Juiz Federal Lincoln Pinheiro Costa foi publicada no Diário da Justiça Federal da Primeira Região, em 28/2/12.

Segundo Márcio Freitas, comerciante e réu na ação, tudo começou há 13 anos, em setembro de 1999, quando recebeu uma notificação do IPHAN em relação a duas mansardas (pequenas janelas) no telhado dos fundos de seu imóvel. Por uma simples fotografia tirada à distância, o IPHAN montou um laudo e queria que as mansardas fossem demolidas.

Márcio conta que foi aberto contra ele um processo administrativo no IPHAN, um inquérito na Polícia Federal e processos criminal e cível no Ministério Público Federal. “Tive que ir várias vezes em Belo Horizonte, na Polícia Federal e no Ministério Público, prestar depoimentos, anexar documentos, esclarecimentos e requerimentos. Uma verdadeira via crucis.”

Segundo ele, o delegado federal que conduziu o Inquérito Policial concluiu pela não responsabilidade criminal. A procuradora responsável pelo caso no Ministério Público Federal também requereu o arquivamento dos autos ante a inexistência de elementos conclusivos, o que acabou sendo determinado pela Justiça Federal da 9ª Vara Criminal em novembro de 2005, concluindo que não havia fundamento plausível, e encerrando o processo.

Apesar disto – “não satisfeito e de forma surpreendente”, afirma Márcio – o IPHAN impetrou contra ele, em 2009, 4 anos depois, uma Ação Civil Pública pelos mesmos fatos, na 20ª Vara Federal. Márcio, que é engenheiro e também advogado, contratou o escritório Joaquim Silva, Ferreira e Carminate Advogados para cuidar do novo processo. Foi a decisão desta ação que foi publicada em fevereiro passado.

De acordo com Márcio, o IPHAN, sem argumentos técnicos e jurídicos convincentes, fundamentou a sua pretensão na “presunção de legitimidade e legalidade” da sua autoridade. O juiz, porém, não entendeu assim e proferiu uma sentença lapidar: “Com efeito, a presunção de legitimidade é atributo do ato administrativo, mas se trata de presunção relativa e não absoluta. E ao analisar detidamente as provas produzidas, convenci-me de que o réu conseguiu ilidir tal presunção. Julgo improcedente o pedido”.

Entre os documentos juntados ao processo em sua defesa, Márcio diz que foram anexadas mais de 100 fotografias de mansardas existentes pelos telhados da cidade, inclusive uma no próprio IPHAN (Casa da Baronesa) em plena Praça Tiradentes. “Como o órgão pode acusar, então, que as mansardas descaracterizam a cidade?”, pergunta Márcio.

Mesmo derrotado novamente, o IPHAN apelou no mês de maio para o Tribunal Regional Federal. Segundo Márcio, sua via crucis, que julgava encerrada, ainda continua. “Mas estamos satisfeitos porque, no decorrer de todos estes procedimentos, conseguimos vários feitos importantes: o IPHAN teve que reconhecer que os imóveis particulares em Ouro Preto não estão tombados individualmente, e o juiz determinou, de acordo com as provas dos autos que produzimos, que as mansardas, em geral, estão presentes na paisagem da cidade e não desvirtuam o complexo arquitetônico tombado.” Márcio diz que considera esta decisão judicial muito significativa. “Sempre sustentei que os imóveis particulares não estão tombados. É equivocada a posição do IPHAN de considerá-los ‘coisas tombadas’ estando sob ‘especial proteção federal’, tentando enquadrar até mesmo simples reformas como descaracterização e crimes contra o patrimônio.”

“Grande parte das construções e até bairros inteiros de Ouro Preto – continua Márcio – não existiam há 74 anos, na Ouro Preto de 1938, época do tombamento. Um imóvel, então, que apareceu depois de 1938 passa a ser automaticamente uma ‘coisa tombada’ só porque foi construído? Não tem lógica. Para mim, o que foi tombado foi a paisagem geral da cidade, para evitar novas construções em desacordo com o estilo daquelas já existentes em 1938. Este, para mim, é que foi o espírito do tombamento,” explica ele. Márcio afirma ainda que o relacionamento do IPHAN com a cidade sempre foi conturbado, devido às incoerências, falta de objetividade e lentidão do órgão em analisar, propor soluções e aprovar as legítimas necessidades dos moradores. Ele espera que os êxitos obtidos com os seus processos possam inspirar outras pessoas. “Quem estiver sofrendo alguma ação do IPHAN injustamente, procure uma orientação jurídica adequada, não desanime, e prossiga com a luta, pois não é impossível, mesmo que demore” – estimula.

“O IPHAN nunca se preocupou em resolver o problema e a necessidade das pessoas, mas, apenas, em atrasar as suas vidas. Por isto, este nosso processo se tornou uma questão de honra para mim, de um ouro-pretano que sempre lutou pelas coisas da sua cidade e não pode ser acusado de dano ao patrimônio arquitetônico e urbanístico e de descaracterizá-la”, desabafa. Para ele, o IPHAN não trouxe nada de novo aos autos na sua apelação e continua querendo ganhar “na marra”, insistindo na legitimidade de seus atos, mesmo neste caso que considera sem fundamento.

“Mas a nossa argumentação é sólida. Estamos confiantes de que a decisão já obtida em nosso favor não será alterada. A via crucis continua, mas, agora, com um sabor menos amargo”, finaliza Márcio Freitas.

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