Hoje eu perdi um amigo. Ele não morreu, não mudou de país, nem foi morar longe. Pelo contrário, vou continuar vendo-o normalmente e conversando com ele. Mas não é mais amigo, virou colega. Talvez nem ele saiba disso, algumas pessoas vêem apenas o que querem ver. Alguns não entendem a diferença fundamental entre amigo e colega, amizade e companheirismo. Os colegas e companheiros são importantes em nossa vida, vivemos em sociedade e é necessário interagirmos entre nós. Tenho colegas maravilhosos, alguns se tornaram amigos, outros não, e todos têm o seu lugar em minha vida.
Mas a diferença é crucial. Amigo não ofende, não magoa; não propositadamente. Se o faz sem intenção, quando percebe, pede desculpas. Por outro lado, se quem se ofendeu ou se magoou também é amigo, ele entende e desculpa. Amigo não “fala na lata”, sem se preocupar com o sentimento do outro. Amigo fala, mesmo sabendo que pode não agradar, mas dosa as palavras. Não me canso de repetir o ditado: “quando precisar atirar a flecha da verdade, antes adoce a sua ponta com um pouco de mel”.
Existem maneiras e maneiras de dizer as coisas. Quando se é amigo, deve-se alertar, abrir os olhos, discordar sim, é claro. Não existem duas pessoas iguais e ninguém é perfeito. Já levei puxão de orelha de amigo e já puxei também. Faz parte, e se a amizade é verdadeira, os dois lados sabem entender. Às vezes, nem se chega a um consenso, mas isso não atrapalha em nada. Respeita-se o direito do outro pensar diferente.
Mas quando a pessoa magoa uma, duas, três, dez vezes, e o argumento é sempre “eu sou assim”, “é o meu jeito”, chega uma hora em que não dá mais. Amizade vira coleguismo, da mesma forma que coleguismo pode virar amizade. Ninguém é obrigado a ficar engolindo sapo a vida inteira porque é “amigo”. Uma vez, acontece. Duas, dá para aceitar. Três, a gente entende que a pessoa podia estar em um mau momento. Mas quando vai chegando perto (ou ultrapassando) a décima vez, há de se repensar essa relação. Se o “meu jeito” machuca repetidamente alguém, é hora de eu mudar o meu jeito. Se “ser assim” trás sofrimento ao outro, o que custa avaliar a possibilidade de ser diferente? Bater o pé que todo mundo tem de ceder ao meu jeito de ser é egoísmo.
Não falo em falsidade. Há pessoas que pecam pelo oposto, adaptam-se à maneira de ser de cada um, para não desagradar. Nem oito, nem oitenta. A gente não precisa ser falso, nem mostrar ser o que não é, mas podemos ser quem somos, com respeito ao outro. Podemos e devemos mostrar nossa verdade, mas sem a imposição de “eu sou perfeito”. E, acima de tudo, podemos discordar sem grosseria. Amigos agem assim. Do contrário, correm o risco de se transformarem em colegas.