Amizade e coleguismo

11 de Fevereiro de 2015
Valdete Braga

Valdete Braga

Hoje eu perdi um amigo. Ele não morreu, não mudou de país, nem foi morar longe. Pelo contrário, vou continuar vendo-o normalmente e conversando com ele. Mas não é mais amigo, virou colega. Talvez nem ele saiba disso, algumas pessoas vêem apenas o que querem ver. Alguns não entendem a diferença fundamental entre amigo e colega, amizade e companheirismo. Os colegas e companheiros são importantes em nossa vida, vivemos em sociedade e é necessário interagirmos entre nós. Tenho colegas maravilhosos, alguns se tornaram amigos, outros não, e todos têm o seu lugar em minha vida.

Mas a diferença é crucial. Amigo não ofende, não magoa; não propositadamente. Se o faz sem intenção, quando percebe, pede desculpas. Por outro lado, se quem se ofendeu ou se magoou também é amigo, ele entende e desculpa. Amigo não “fala na lata”, sem se preocupar com o sentimento do outro. Amigo fala, mesmo sabendo que pode não agradar, mas dosa as palavras. Não me canso de repetir o ditado: “quando precisar atirar a flecha da verdade, antes adoce a sua ponta com um pouco de mel”.

Existem maneiras e maneiras de dizer as coisas. Quando se é amigo, deve-se alertar, abrir os olhos, discordar sim, é claro. Não existem duas pessoas iguais e ninguém é perfeito. Já levei puxão de orelha de amigo e já puxei também. Faz parte, e se a amizade é verdadeira, os dois lados sabem entender. Às vezes, nem se chega a um consenso, mas isso não atrapalha em nada. Respeita-se o direito do outro pensar diferente.

Mas quando a pessoa magoa uma, duas, três, dez vezes, e o argumento é sempre “eu sou assim”, “é o meu jeito”, chega uma hora em que não dá mais. Amizade vira coleguismo, da mesma forma que coleguismo pode virar amizade. Ninguém é obrigado a ficar engolindo sapo a vida inteira porque é “amigo”. Uma vez, acontece. Duas, dá para aceitar. Três, a gente entende que a pessoa podia estar em um mau momento. Mas quando vai chegando perto (ou ultrapassando) a décima vez, há de se repensar essa relação. Se o “meu jeito” machuca repetidamente alguém, é hora de eu mudar o meu jeito. Se “ser assim” trás sofrimento ao outro, o que custa avaliar a possibilidade de ser diferente? Bater o pé que todo mundo tem de ceder ao meu jeito de ser é egoísmo.

Não falo em falsidade. Há pessoas que pecam pelo oposto, adaptam-se à maneira de ser de cada um, para não desagradar. Nem oito, nem oitenta. A gente não precisa ser falso, nem mostrar ser o que não é, mas podemos ser quem somos, com respeito ao outro. Podemos e devemos mostrar nossa verdade, mas sem a imposição de “eu sou perfeito”. E, acima de tudo, podemos discordar sem grosseria. Amigos agem assim. Do contrário, correm o risco de se transformarem em colegas.

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