Eu chegava cansada, suada, derretendo sob esse calor insuportável, quando uma mulher me parou no portão de casa, com um menino de aproximadamente 10 anos de idade. Apresentou-me a lista de material escolar do filho, falou de como está tudo tão caro, e pediu-me ajuda. A mulher falava bem, explicou que só estava pedindo porque as coisas estão realmente difíceis, e que sem ajuda não teria como comprar a lista toda.
Peguei o papel e, por uma coincidência (ou não) quando comecei a ler, ouvimos um sinal, o garoto enfiou a mão no bolso da bermuda, tirou um aparelho celular, tablete, smartfone, ou sei lá o que, e começou a teclar, com a maior naturalidade. Não sei se estava jogando, enviando mensagem, só sei que enquanto eu fiquei com cara de tacho e uma folha de papel na mão, a criança continuava ocupadíssima, com um aparelho muito mais moderno do que o meu.
Passada a surpresa, eu devolvi a folha e falei para a mãe que aquela lista, com certeza, ficaria mais barata do que o celular do menino. Pode uma coisa dessas? Uma criança de 10 anos tem um aparelho comunicador, sei lá o nome, e a mãe precisa pedir a ajuda de estranhos para comprar seu material escolar. Ela ficou sem graça com o meu comentário e tentou se explicar, mas a emenda saiu pior do que o soneto. Segundo ela, o aparelho havia sido presente do pai. Ora, o pai pode dar um celular, ou tablete, ou smartfone, e não pode dar o material escolar?
Eu já estava caindo no papo da mãe necessitada, e o mais triste é que ela mesma parecia convencida disto. Para aquela mãe, o aparelho por mim não identificado é prioridade sobre o material escolar do filho. Claro que, para o garoto, são mais interessantes os jogos e trocas de “msg” com os amiguinhos do que um monte de cadernos, livros, pastas, lápis, essas coisas chatas que os chatos dos professores pedem para usar em aulas chatas. O garoto foi tão inocente no episódio, que atendeu e ficou respondendo seja lá o que for, com a maior naturalidade.
Criança é criança, e não só pode, como deve, ser infantil. Mas pais que presenteiam crianças com aparelhos de última geração e pedem ajuda para comprar cadernos, estarão preparados para serem pais? Quando os dois seguiram caminho e eu entrei em casa, fiquei pensando se o fato era trágico ou cômico. Até agora não me decidi.