Aparências enganam

12 de Agosto de 2016
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Grupo de pessoas está a combinar determinada atividade, quando se constata haver necessidade de contato com alguém não presente. Antes que se decida quem fará o contato, duas delas se apressam em dizer, que esperam não ser escolhidas. À indagação sobre o motivo respondem: “fulano tem cara ruim”.

Essa situação é muito comum e, não poucas vezes, visualizam-se, antecipadamente, comportamentos contrários ao que se deseja, em prejulgamento de quem nem chegou a ser contatado. Vazada aquela reação negativa, quem menos escrupuloso, de fora do círculo, recebe a informação e dá origem a boato de que o fulano em foco comportou-se, desta ou daquela maneira, em prejuízo das demais pessoas. A ojeriza a pessoas, ainda que com elas nunca tenha havido contato, é compreensível como parte da natureza humana, imperfeita, porém em evolução se, no plano individual, vontade há para que isso se aconteça. Qualquer pessoa pode ter esse sentimento, sem culpa, em relação a outrem, porém não tem o direito de manifestá-lo em forma de prejulgamento da mesma. Como já dito, a aversão “gratuita”, sem qualquer explicação sobre causa ou origem, é fenômeno aceitável, mas a pessoa alvo da estranha aversão, nem precisa disso saber, mesmo porque, quase sempre, não está inserida no círculo de relações de quem a rejeita.

Não é tão somente em relação a etnias, raça, cor da pele e classe social que existe preconceito, pois, como se vê, ele pode ser também de natureza pessoal. Se a ojeriza “gratuita” a pessoas, um tipo de preconceito, é parte da natureza humana, conclui-se ser falso alguém dizer que não tem preconceito. Todos o têm, em maior ou menor grau e em relação a fatores diversos. O que não pode e não deve haver é sua manifestação! O mal do preconceito não está em sua existência, silenciosa, na natureza do indivíduo, porém em sua manifestação, atingindo imagem, conceito e direitos de outrem dentro da comunidade humana. É nesse silêncio que mentira e hipocrisia têm seu lado benigno, não deixando que se desarmonize a interação entre indivíduos e, por consequência, ofenda grupos e toda uma coletividade.

Quanto à “cara feia” ou “cara ruim”, rótulos comumente atribuídos a semelhantes menos risonhos, são o que de mais antipático há para definir, avaliar e prejulgar pessoas, cuja sisudez pode revelar uma natureza introspectiva e não, necessariamente, uma personalidade mal humorada. Pessoas assim rotuladas podem sorrir menos, até ser distraídas em relação ao que acontece à sua volta, em razão de estarem, comumente, ocupadas com seus pensamentos. Mas isso não quer dizer que sejam “mascaradas” e deixem de dar atenção a quem a solicite. Economizam no sorriso, porque o querem mais bem avaliado por terceiros, quando manifestado no momento certo por motivo que o mereça. Sinceridade e franqueza, se associadas a pessoas sisudas, são fatais para que sejam classificadas também como mal educadas quando, na verdade, aquelas características denotam transparência e firmeza de caráter.

Infelizmente, prevalece o falso, dito pela aparência, assim como acontece na comparação entre o bem vestido e outro, vestido de forma simples e informal. Dessa forma, o bem falante, sorriso sempre aberto, mão estendida a todos, causa a melhor das impressões quando, na verdade, pode ser grande enganador e a personificação da deslealdade. É bom lembrar que, se “canjicas à mostra” e mãos estendidas, para cumprimentos, fossem garantias de bom caráter, políticos não enganariam a ninguém.

De volta ao prejulgamento de pessoas, quem o faz, comumente a partir de aparências, corre o risco de, no mínimo, ficar sem credibilidade, diante do oposto comprovado. O próprio anedotário, em crítica ao prejulgamento, apresenta o caso do indivíduo, solitário, a conduzir veículo por estrada, região deserta, em noite escura. Depois de algum tempo sem ver ou ouvir algo acontecer, com exceção da paisagem deserta, iluminada pelos faróis, e do ronco do motor, foi surpreendido pelo arreamento de um pneu que se furou. Aborrecido, antes que providências seguintes fossem tomadas, o motorista desceu para buscar, no bagageiro, macaco e chave de roda. Foi aí que se exasperou de fato: havia se esquecido de recolocar o macaco no carro, depois de usá-lo, ainda dentro da garagem.

Estava no mato sem cachorro! Ou, pior, de pneu furado e sem macaco! Depois de muito em seu íntimo, decidiu sair por estrada afora; talvez encontrasse algum residente, também proprietário de veículo e, consequentemente, de um macaco. Andou por algum tempo e, finalmente viu uma luzinha ao longe. Apressou o passo, enquanto pensava na hora imprópria, imaginava o dono da casa importunado e arrancado da cama para atender a ele, um imprevidente e descuidado; o homem o atenderia, de mau humor e lhe negaria o empréstimo do equipamento. Ao mesmo tempo em que assim pensava, chegou à porta do desconhecido e bateu. Ao se abrir a porta, ele foi logo gritando: guarde seu macaco “naquele lugar”!

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