Enaltecimento do ócio

05 de Agosto de 2016
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Nestes tempos atribulados, de mil cobranças e informações a se entrelaçar em um só tempo; quando o indivíduo se sente desgastar, por não conseguir absorver o novo em sua plenitude, nem tampouco dar resposta a tudo, que lhe chega, seu íntimo roga por uma nesga de algo que as convenções humanas abjuram: o ócio.

Assim como a mentira, mais considerada pelo lado maléfico, esquecidas a literatura e a arte que têm nela a base de suas existências, o ócio não é a arte do nada fazer e nem preguiça, como registram alguns dicionários. Preguiça tanto pode ser um estado de desânimo, às vezes de origem doentia, quanto “horror” ao trabalho, infelizmente verdadeiro em alguns indivíduos, mas o ócio, em seu sentido primário, é simplesmente descansar, ter folga no trabalho, para não fazer nada, apenas relaxar.

Entretanto, o ócio mais pretendido não se refere ao descanso corriqueiro, necessário depois de considerável período de atividade, durante a jornada diária de trabalho, porém um descanso significativo, pelo qual o indivíduo se desliga, por completo, física e mentalmente de qualquer atividade. Seria a interrupção completa do fluxo de ações voluntárias a dar entrada num estado de introspecção, por alguns momentos, como forma de se aliviar da carga opressiva do dia-a-dia, causa do stress, por sua vez, impulsionador de doenças. Mas, o conceito moderno de pessoa produtiva, dificilmente, reconhece pausa em suas atividades sem rotulá-la de fraca, indecisa, preguiçosa. Em razão do conceito de trabalho, restrito ao esforço físico ou, pelo menos à mobilidade, luta-se em seu ambiente, muitas vezes, contra a incompreensão de pessoas diante de outras, aparentemente, apáticas em meio às atividades da equipe. Felizmente, são “salvas” por algo como “ele(a) não está à toa, mas a pensar”, dito por quem melhor conhece a atividade exercida.

Erroneamente, o ato de pensar nem sempre é reconhecido como trabalho, por grande parte, ainda que em ambiente de trabalho intelectual. Por outro lado, à movimentação intensa sem resultados positivos ou a produzir algo inútil dá-se o nome de trabalho.

Positivo, com poder de aliviar o stress de pessoa sobrecarregada de responsabilidades, o ócio assim entendido deveria ser mais bem avaliado e posto em prática, nos fins de semana, sem medo dos rótulos, longe dos inquisidores da vida alheia. Não requer mais que de trinta a sessenta minutos; a depender de cada um. Se essa pausa já foi concessão privilegiada, feita a si próprio, hoje ela é absolutamente necessária àquelas pessoas, cujo trabalho impõe pesadas responsabilidades e demanda concentração extrema, decisões rápidas em respostas às necessidades de grupos. Fora do ambiente de trabalho, as pressões inerentes ao trânsito, o excesso de ruídos, o cuidado com a própria segurança em relação à delinquência, estão entre outros fatores estressantes a requerer compensação, que pode ser encontrada na prática do ócio, caracterizado pelo “desligamento” ou “recolhimento” ao próprio interior.

Não bem aceito por quantos o consideram próprio dos avessos ao trabalho, o ócio também se apresenta sob outro aspecto, ou seja, sob a face lúdica, mediante a qual, conforme estudos do sociólogo italiano, Domenico De Mais, pode ser criativo. Ao contrário do ócio, maldosamente associado à preguiça e aversão ao trabalho, no chamado ócio criativo o tempo é ocupado com atividades recreativas, ou não ligadas ao trabalho que, bem aproveitadas, podem levar a novos conhecimentos. É assim que mediante leitura de um livro, apreciação de um espetáculo teatral ou concerto, ou simplesmente um passeio pelo campo a observar a natureza, alguém pode ter a mente desperta para ideias, que venham solucionar problemas não resolvidos diretamente nas atividades laboriosas. De passagem, é interessante observar que, soluções arduamente buscadas, podem surgir, como por milagre, em momentos em que as buscas estão, momentaneamente, paralisadas.

Ligado ao ócio criativo, porém não a alguma atividade física ou intelectual naquele momento, está também o sonho, fonte de inspiração para a literatura e para as artes em geral. São muitos os exemplos disso. Músico e amigo, já falecido, deste escriba, era inspirado em sonhos e, por força dessa particularidade, levantava-se, no meio da noite, para registrar em pauta as melodias assim captadas. Também no campo técnico e das invenções, o sonho pode fornecer respostas não encontradas em pesquisas reais. Conta-se, por exemplo, que Elias Howe, inventor norte-americano, trabalhava na invenção da máquina de costura, mas esbarrara num ponto crucial: como deveria ser a agulha. Por muito que já tivesse pesquisado e experimentado, a solução não se mostrara. Certa noite, durante o sono, sonhou estar em país distante e sob perseguição de um grupo de selvagens canibais. Em sua aflição para se livrar de seus perseguidores, notou que as lanças portadas por eles apresentavam um furo na ponta. Estava encontrada a solução.

Da próxima vez que vir alguém, mergulhado em aparente apatia, não faça prejulgamentos; ele pode estar a abrir um mundo novo para você!

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