Até quando, Brasil, abusarás de nossa paciência?

17 de Dezembro de 2015
Jornal O Liberal

Jornal O Liberal

R. Koeppel (*)

Gostamos de relatar sempre experiências alegres ou cheias de vida. Coisas que nos veem à mente de forma feliz, relembrando, com frequência, bons momentos da nossa vida e de nossos relacionamentos. Mas nem só de felicidade é feita a vida... Dediquemo-nos, pois, a outras visões, para não nos esquecermos que existe o inferno. Inferno cheio de omissos, quanto às suas responsabilidades...

Nas últimas duas semanas, nosso álbum de figurinhas recebeu diversos “cromos”, bastante coloridos e tristes: cor de ferro velho em Mariana, cor de rio morto no Rio Doce e cor de sangue em Paris. Com tristeza, vemos que nossa coleção de figurinhas difíceis vai ficando completa. O que nos leva a questionar, tal como Cícero fez em Roma num celebre discurso contra a corrupção e os desmandos de altas autoridades e seus apaniguados: “Quosque tandem abutere Catilina patientia nostra? Quam diu etiam furor iste tuus nos eludet? Quem ad finem sese affrenata iactabit audácia?” (“Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência? Por quanto tempo ainda este teu rancor nos enganará? Até que ponto a tua audácia desenfreada se gabará de nós?”). Discurso tão antigo, mas tão atual para o Brasil.

A morte, seja natural ou premeditada, de uma única pessoa já nos toca o coração. Que diremos então de 15 mortes em Bento Rodrigues ou de 140 mortes em Paris? Todos nós sentimos no coração a tristeza que as famílias destas pessoas, brutalmente eliminadas, passarão a sentir para sempre. Mas, de repente, lembramo-nos de outras situações. E confirmamos que temos memória curta! Nós, brasileiros, que vamos para Miami, não sofreremos tanto... Até a próxima vez!

Há alguns anos, uma barragem similar desceu morro abaixo em direção a Macacos, hoje conhecida como São Sebastião das Águas Claras (!) nas proximidades de Belo Horizonte. Morreram algumas pessoas (!) e as águas claras somente podiam ser vistas em garrafas de agua mineral (!) se as lavássemos por fora. Desde então, silêncio absoluto (!). Até hoje os restos do minério ainda estão por lá, impedindo que a flora e fauna voltem ao normal (!). E Minas Gerais, até pelo nome, tem muitas minas. E tem muitas barragens de contenção de minério não utilizado, misturado com água, outra coisa que vai ficando escassa. Ou seja, este é o “Negócio de Minas”. Esperava-se, no mínimo, que alguns procedimentos de inspeção fossem tornados rotina. Como disse Millôr: “O sonho de todo corrompido é tornar-se corrompedor”. Cada dia tem mais gente mudando de classe, no Brasil.

Em janeiro de 2013 (dois anos e meio (!)) na famosa Boate Kiss, em Santa Maria (!) no Rio Grande do Sul, morreram, numa única noite 242 jovens (!) e outras 680 pessoas (!) ficaram gravemente feridas (!). Alguns dos feridos morreram após intenso sofrimento em hospitais. Pesquisando na Internet, descobrimos que, após um ano todos aguardavam o pagamento de indenizações (!). Em setembro de 2015 (!) oito vítimas (!) tiveram direito a indenização, num valor total de R$ 220 mil (!). A notícia informa também que “O Estado e a Prefeitura foram isentados de responsabilidade” (!). Fica pendente saber se a significativa quantia de R$ 27.000 (!) por “morto com direito a indenização” (!) já foi paga ou não (!). No Brasil, normalmente (!), recorre-se destas decisões e, passados 20 ou 30 anos (!), elas são esquecidas. O jornal não nos lembra destas coisas antigas. Melhor nos preocuparmos com o próximo Carnaval. Assim ficaremos menos espantados... (!).

Após as notícias recentes, dedicamo-nos a ler, com mais atenção, jornais e revistas brasileiras. Claro que as notícias de Paris ocupam muitas páginas, todo mundo chocado, pois todos achamos que em Paris morram os ricos. Tinha até brasileiros passeando por lá. Já com relação às mortes em Mariana e a morte do Rio Doce, encontramos apenas umas poucas páginas. Devem ser brasileiros pobres, não nos ocupemos demais com eles. O Rio Doce jamais será doce novamente, mas o que é isto, para quem tantos rios têm?

Todo este pano de fundo visa apenas registrar algo que, em nenhuma noticia, encontramos referência que procurávamos: onde fica a função do Governo de proteger o cidadão, através de regras e normas de operação, de inspeção periódica, de ações prévias impedindo catástrofes maiores depois?

Para que temos tantos órgãos públicos que nos exigem o pagamento de tantos impostos? Apenas para terem salários e emprego? Não precisam de exercer nenhuma atividade que proteja o cidadão? E, se o imprevisto ocorre, não precisam promover ações de ressarcimento imediato de prejuízos? Na verdade isto já deveria estar detalhadamente previsto em regulamentos para que os mineradores saibam onde estão se metendo. E, claro, sendo exercitado com grande frequência, através de inspeções.

As noticias mencionam que a SAMARCO (leia-se VALE e BHP) tem responsabilidade por tudo. Isto não deixa de ser meia verdade. A outra parte da responsabilidade é de órgãos públicos, cuja função é proteger o meio ambiente e evitar catástrofes evitáveis. E assim teremos o quadro completo, com os vários lados da responsabilidade bem definidos. Por isto, além de crucificarmos a SAMARCO, que além de ter lucros gera empregos na região de Ouro Preto, sendo há anos uma ótima parceira da comunidade, temos que levar ao cadafalso também servidores e instituições públicas omissas. Mas não omissas em receber o nosso imposto. Mas detectamos um silêncio ensurdecedor, para o que contribuiu também o “sobrevoo em helicóptero”, dez dias depois da catástrofe, pela Presidenta. Ela também tinha outras coisas para se preocupar – descansar em Brasília.

Trabalhamos cinco anos em grande mineração alemã, que operava em Congonhas. Tivemos diversas oportunidades de visitar minerações na Alemanha e ver como, com a observância de normas de proteção ambiental, feitas e obedecidas continuamente, resultaram em parques magníficos para uso da população, uma vez exaurida a lavra. E isto se aplicando não só à minério de ferro, mas também à gigantescas minas de carvão. Fica aqui a pergunta: terminada a lavra do Pico de Itabirito e tantas outras na região de Ouro Preto, o que nos restará, como mineiros? Talvez já saibamos, mas procuramos não nos lembrar - Carlos Drummond de Andrade assim se referiu ao Pico de Itabira, hoje inexistente: “É agora apenas um retrato na parede... Mas como dói!”. Começando com referências latinas, também assim encerramos: “Festina Lente” (Apressa-te lentamente). Antes que novas catástrofes venham a retirar de nosso convívio pessoas que tanto amamos.

(*) Rodolfo Koeppel é morador em Glaura onde está envolvido em atividades comunitárias, culturais e turísticas. Sempre que passa por Itabirito ou passeia no entorno de Glaura e Ouro Preto vêm à sua mente imagens de um pesadelo... que um dia será realidade! Pode ser contatado em rodolfo.koeppel@gmail.com

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