Bacias & Águas – precisamos melhorar isto!

17 de Dezembro de 2015
Jornal O Liberal

Jornal O Liberal

R.Koeppel (*)

No Rio de Janeiro, até quase o final do período do II Império, não havia esgotos. Nas casas, eram usados os “urinóis” para receber os dejetos humanos. Havia duas formas de ficar livre disto: uma, usada pelos mais ricos, era contratar os “tigres” – escravos que vinham buscar o material , carregando tudo em balaios nas cabeças, até poder jogar no mar. Isto provocava o corrimento de ácidos que queimavam a pele dos escravos, razão do nome profissional. Alternativa, de custo mais baixo, era transferir dos vários urinóis para grandes bacias, levá-las até as janelas do andar superior (onde normalmente ficavam os quartos de dormir) e atirar o conteúdo na via pública, tendo o cuidado de berrar, alguns segundos antes: “Lá vai água!”. Claro que, vez por outra (ou todas às vezes) alguém recebia os dejetos na cabeça. O que não era, e ainda não é, agradável. Obviamente, em Vila Rica não éramos melhores nem piores – adotávamos as modos da Capital, com orgulho!

Mas não queremos falar destas bacias nem destas águas. Temos coisa mais nobre no contexto de Ouro Preto e suas cidades vizinhas. Ainda que os acontecimentos relativos a barragens de rejeitos de minério de ferro se parecem muito com o que acontecia há 150 anos, aqui e na Capital do Império. Queremos falar de uma coisa bem maior – as bacias hidrográficas. E, no caso de Ouro Preto, sendo dividida ao meio por duas bacias (Bacia do Rio Doce... e Bacia do Rio das Velhas, mais para frente o Rio São Francisco) temos uma responsabilidade maior ainda. Qualquer desgraça que ocorra aqui, com “nossos dejetos”, pode danificar tudo, a jusante... as reportagens sobre o que aconteceu abaixo de Mariana deixam isto muito claro. Se continuarmos assim, vamos ficar com poucos amigos.

As bacias hidrográficas são definidas pela Natureza e não por critérios políticos. E a Natureza é sábia: vai ajuntando uma aguinha aqui, outra ali, até formar aquele riozão, que todos apreciamos. Com intima interdependência da qualidade e volume de cada um dos afluentes. E com um único defeito: a sujeira produzida por quem esta a montante, é a água de quem está a jusante vai receber... Hummm! Isto não está parecendo legal, principalmente por que tem sempre alguém rio acima da gente...

Esta é uma forma perversa de se ver uma bacia hidrográfica. Pode ser vista também como um fator de união entre as comunidades, se todas se comportarem corretamente. Se Ouro Preto ajudar e os rios que se dirigem para Mariana (e depois para o Rio Doce) tiverem mais água e água mais limpa, Mariana ficará feliz. Se Mariana fizer o mesmo, Governador Valadares também ficará feliz. E no final, os peixes do Atlântico também ficarão mais felizes. Pode ser, portanto, uma “corrente da felicidade”, cada elo tornando a corrente melhor. Londres conseguiu fazer isto no Rio Tamisa, hoje com água transparente e com muitos peixes. Em 1952 era a “cloaca da Inglaterra” e os “peixes” eram de outro tipo.

Ao final do século XX (isto é, 15 anos atrás) os Comitês de Bacias Hidrográficas (CBH’s) foram estruturados e tinham destaque em algumas atividades de inspeção e liberação de atividades próximas aos rios. A estrutura de gestão era democrática, com a participação de diversos setores da sociedade. Com o tempo, notamos que a importância dos CBH foi sendo esquecida. Claro, era um novo poder político que trata de assuntos do interesse comunitário, não só de uma comunidade, mas de muitas, unidas pelo mesmo rio. E este negócio de “novo poder político” não é de interesse de outro “grupo de políticos”, que todos sabemos quem são, pois eles estão nos poleiros, a cacarejar.

Um CBH é uma forma correta de formar cidadãos que protegem a Natureza, para seu beneficio, para benéfico dos que estão rio abaixo e para os que virão depois de nós. É notório que alguns rios, no mundo, já não chegam aos oceanos. Deságuam, já sem forças, em grandes areais, longe do mar. O Rio Colorado, nos Estados Unidos, é um exemplo clássico do uso desregulado de água. Neste caso, os mexicanos que se virem, que fiquem sem água... No evento de Mariana / Samarco / Bento Rodrigues (será que para por aqui?) houve rápida menção ao CBH do Rio Doce. Claro, em 15 anos, conseguimos andar muito pouco numa coisa tão importante assim, para todos nós. Mas qual o interesse real que isto funcione, do ponto de vista das instituições tradicionais? Parece-nos que esta passando da hora de jogarmos nossos dejetos pela janela. No passado ainda avisavam através de berros, hoje nem sequer isto é feito. Morremos todos de susto antes de morrer afogados e sufocados! Os recursos financeiros para se organizar isto são mínimos, se comparados com os “nababescos festivais em Brasília e adjacências”.

Portanto, ainda que somente por causa de um turismo de qualidade devêssemos fazê-lo, por que não nos unimos à Mariana numa jornada que nos assegure um futuro com muitos amigos? Todos com águas boas? Os rios nos aguardam... Agora já será um pouco mais difícil, mas não será impossível.

(*) Rodolfo Koeppel mora em Glaura, distrito de Ouro Preto, onde tem uma nascente que deságua no Rio das Velhas, ainda límpido nesta região. Fica preocupado quando a nascente ameaça secar. Por isto tem plantado árvores na região da nascente. Você também já pensou em fazer isto? O resultado pode demorar muitos anos, mas isto é nada para quem tem 300 anos de história. Contato: Rodolfo.koeppel@gmail.com

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