Coisas de ontem... e de hoje CXXI

13 de Outubro de 2014
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Por alguns instantes, cai o silêncio no ambiente, até então dominado pelo vozerio. Os aposentados entreolham-se, cada qual a guardar reação ou pergunta para depois que alguém quebre a barreira do choque causado pelas palavras do Tatão. Acostumados a ouvir que o voto nulo não condiz com o conceito de cidadania, não esperavam que, justamente, do Tatão viesse a aprovação do ato. Quem primeiro fala é o Manelão:

– Se é para anular, melhor seria não comparecer; por que votar?

– Não é por aí, Manelão! O não comparecimento ou voto em branco é próprio dos que não se importam com a situação do país, do estado, do município e da própria comunidade onde vive – esclarece Tatão – entende-se que para esses, tudo está bem, ainda que seja o caos. Além disso, não se esqueça de que, sendo obrigatório o voto, o eleitor ausente tem de justificar seu não comparecimento, o que significa mais obrigação, chatice e perda de tempo.

– Entendo que o voto nulo seria espécie de vingança contra os políticos, pois o povo já está cansado de ser enganado – ataca Dorinha.

– Também não é assim, Dorinha – volta Tatão – Não se trata de vingança, nem protesto, e sim de consciência política. O eleitor tem que escolher o melhor, de acordo com a sua consciência, mas esse “melhor” já vem prejudicado, porque, na origem, os critérios de escolha são os piores. Na maioria das vezes, não há qualidade nos candidatos apresentados.

– Pode ser isso que você diz, mas no fundo mesmo, o eleitor quer se vingar dos políticos.

– Outra observação, Dorinha: não diga “os políticos”, porque assim você generaliza e ofende algum, eventualmente, encontrado entre os maus. Se houver apenas um, esse único merece respeito! Diga “políticos”, porque assim não atinge a todos. Dizendo “políticos”, sem definir, o número pode variar de um por cento até noventa e nove por cento.

Até então, calada, embora muito atenta, Dolores resolve manifestar-se:

– Mas o estímulo ao voto nulo pode ser perigoso. E se a maioria votar nulo, sabendo-se que a eleição se faz, considerando-se apenas os votos válidos? Corre-se o risco de ter-se governo de minoria. – E tem mais, segundo normas do processo eleitoral, votos nulos e brancos não servem para nada – emenda Quinzão, ao que replica Tatão.

– Isso é o que estabelece o sistema, que opera de acordo com interesses políticos vigentes, discordantes de qualquer novidade que tenda a alterá-lo. Essas normas deixam de lado aspecto muito importante em relação ao eleitor, que tem o direito de discordar de todo o processo e de manifestar seu repúdio, de forma pacífica e democrática. O eleitor, em princípio, tem de tomar decisão livremente, ouvindo a própria consciência, não devendo ficar preso à determinante: votar nuns ou noutros candidatos apresentados. Ele tem o direito de rejeitar todos que sua consciência não aprova. Alguns dão ao voto em branco o mesmo valor do voto nulo. E disso discordo. Entendo que o voto em branco não tem compromisso com nada, representa apatia e indiferença do eleitor, enquanto que o voto nulo representa opinião discordante, decidida, bradando em silêncio por mudanças. E, quanto ao perigo apontado por Dolores, de se ter governo de minoria, digo ser um risco aceitável, que porá nu todo o processo, desmascarando a democracia falaciosa, que começa por partidos sem consistência, passa pelo voto obrigatório, pela exclusão dos cidadãos apartidários, pelo conluio entre partidos, candidatos e grupos interessados em fatia do bolo governamental, e até facilita governo de minoria.

– Dizem que antes, se o número de votos nulos apurados equivalesse a mais de cinquenta por cento do total, nova eleição era convocada – observação feita por Quinzão, em seguida, esclarecida por Tatão:

– De acordo com o Código Eleitoral vigente (de 1965, sob o dito governo militar): “Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do País nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do Município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.”. Vejam que o Código diz nulidade, não fazendo distinção entre voto anulado pela Justiça Eleitoral (fraude e outras irregularidades) e o voto nulo (por erro ou por vontade) dado pelo eleitor. Entretanto, marotice do Tribunal Superior Eleitoral – TSE deu outra interpretação ao artigo. Provocado por político temeroso quanto a possível avalanche de votos nulos, o TSE passou a considerar somente o voto anulado pela Justiça Eleitoral como determinante de nova eleição. De forma pacífica, o voto nulo em massa chamaria mais atenção que o terrorismo tupiniquim, desta semana, em hotel de Brasília!

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