Coisas de ontem... e de hoje CXXII

18 de Outubro de 2014
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Mário é o primeiro a falar, concluídas as explicações do Tatão:

Já ouvi, muitas vezes, que o voto em branco se soma aos do partido mais votado e que o voto nulo caracteriza repúdio à nação, à coletividade à qual pertence o cidadão; que o cidadão tem a obrigação de votar naquele, considerado por ele o melhor.

– São lorotas, amigo! – afirma Tatão – são argumentos, defendidos por políticos espertos, que querem o seu voto e, para isso, se valem de toda sorte de mentiras, além das promessas que nunca se cumprem. Considerando que ninguém quer ser visto como mau cidadão, criam-se falsidades com as quais se intimidam pessoas, sempre a visar vantagem para si próprio.

– O ser humano apresenta diversidade infinita de caráter. E joga com tudo, quando se trata de defender interesses próprios ou dominar seu semelhante – atravessa Dolores, antes que Tatão prossiga, depois de breve pausa:

– Isso mesmo! Todos devem se lembrar, em sua infância, do que diziam nossos pais com relação à mistura da manga com leite. Aprendia-se que ingestão de manga e leite, ainda que com breve espaço entre um e outro alimento, resultava em envenenamento mortal. Com o advento dos sorvetes, descobriu-se não passar de grande mentira.

– Gente, nem mais me lembrava disso! – exclama Lazinha – no tempo da fruta, a mamãe proibia que colhêssemos mangas antes do almoço, com medo de que apenas mordêssemos uma, uma vez que tomávamos leite ao café da manhã.

– E qual a razão de os pais mentirem? – indaga Dorinha – depois de saber ser isso mentira, sempre tive curiosidade em torno do porquê.

– Também eles eram enganados, Dorinha – apressa-se Tatão – Eles aprenderam com seus pais, que também foram enganados. Na verdade, criou-se o mito ainda no período colonial, nas grandes propriedades rurais, especialmente, onde se criava gado leiteiro. Os fazendeiros, sabedores de que os escravos eram grandes apreciadores da manga, estimulavam-nos a consumi-la, à vontade, debaixo das muitas mangueiras mantidas nas propriedades.

Para impedir que os mesmos bebessem do leite produzido, um dos principais bens econômicos, disseminavam a falsa informação do veneno formado pela associação do leite com manga. Não duvido que alguém tenha “provado” isso com o sacrifício de algum pobre coitado, envenenado de outra maneira, porém morto depois de beber leite e comer manga!

– Já ensaiava dizer o mesmo com relação à possibilidade de algum escravo ter sido sacrificado em favor da mentira – acrescenta Manelão, continuando – Mas, outra mentira ainda hoje é empregada e, incoerentemente, na educação dos filhos.

– Como assim? – pergunta Dorinha.

– Quem nunca ouviu, na infância, a ameaça do bicho-papão no caso de alguma travessura ou desobediência aos pais?

– Muito bem lembrado – atesta Tatão – Ao invés de argumentação positiva com noções de discernimento entre o certo e o errado, pais enchem a cabeça dos filhos de historietas amedrontadoras. Não só podem formar indivíduos medrosos, supersticiosos, incapazes de enfrentar a realidade, como também formam cidadãos, que cumprem a lei, não porque assim deve ser, ainda que injusta, mas por medo de possível punição.

– A conquista do pretendido, por meio do medo, difere da tortura e do terrorismo apenas no grau de sofrimento imposto à vítima – proclama Dolores, antes que Tatão conclua seu pensamento a respeito do voto nulo.

– Vejam que nos dois exemplos, especialmente quanto ao mito da manga com leite, o falso se impõe pelo medo e se consolida na sucessão de gerações, até que um fato novo faz cair a máscara da falsidade. A argumentação contrária ao voto nulo faz pior: confunde cidadãos em seu discernimento e interfere em sua liberdade de decidir, princípio sagrado da democracia.

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