Coisas de ontem... e de hoje XVIII

06 de Julho de 2012
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

A notícia do assalto à casa vizinha da Larita deixa o grupo indignado, tirando-o da condição prazerosa proporcionada por lembranças remotas, algumas desagradáveis, porém marcadas pela coragem de quantos vivenciaram fatos e circunstâncias de então. A violência, o furto, o roubo e, sobretudo, o desrespeito à pessoa humana contrastam com o passado, no qual o destaque fica com a extrema carência material. A onda de invasões de propriedade e consequente subtração de objetos, que não precisam ter valor para caracterizar crime quando subtraídos, provoca pânico e revolta coletiva, cuja amostra é encontrada naquele grupo de idosos em reunião de lazer. Tendo vivido até à meia idade sem preocupações e sobressaltos com relação à segurança pública, quando a comunidade estava livre de furtos e roubos, aquelas pessoas se sentem traídas, pois não esperavam viver tal situação na comunidade em que nasceram, cresceram, constituíram famílias, criaram e educaram filhos.

Comovida e preocupada com a amiga, que se mostra chocada diante do fato, Dolores se senta ao lado da Larita e tenta lhe transmitir conforto:

– Entendo sua reação; quem cultua a honestidade e preza a vida não quer o, infelizmente, acontecido, nem com eventual inimigo! Contudo, há que agradecer pelo fato de sua amiga não ter sofrido danos físicos. Como diz a alegoria, foram-se os anéis, mas ficaram os dedos! Psicologicamente, ela pode ter sido afetada, mas com boa receptividade aos melhores pensamentos, em lugar de sentimentos negativos, ela se recuperará em pouco tempo.
– Quem imaginava, na juventude, que a terra da gente fosse virar o que virou? Você imaginava, Dolores?
– Nem em pesadelo, amiga! Lembro-me que portas das casas se abriam pela manhã e assim permaneciam por todo o dia até o anoitecer. Quem chegava, só se anunciava e já ia entrando. Ninguém tirava nada de ninguém.
– Várias vezes, lá em casa, éramos chamados à porta por pessoas que, encontrando objetos, ali, na rua, se dispunham a entregá-los. E nem sempre o achado era nosso – explica Larita. As pessoas eram pobres e honradas. O meu era meu, o seu era seu e o dele era dele. Não se cobiçava o que estava fora do seu alcance.

Manelão, que ouvia o diálogo entre Larita e Dolores, pede licença e entra:

– O rigor no respeito à coisa alheia começava em casa. Brinquedo do irmão só era usado com seu consentimento. E ai daquele que, aparecendo em casa com algo não dado pelos pais, não soubesse ou não quisesse explicar sua procedência! Certa vez, ganhei um brinquedo de amigo. Expliquei à mamãe como ganhara o brinquedo, mas ela, não satisfeita com a minha explicação, foi à casa do garoto e com os seus pais obteve a confirmação. Se a procedência não fosse bem explicada, o objeto tinha de retornar à sua origem. A pior pecha para a imagem do indivíduo era a de ladrão. Furto e roubo eram as mesmas coisas e se pego em flagrante, o ladrão passava bom tempo na cadeia. Concorda comigo, Quinzão?
– Perfeitamente. Com a banalização do crime, consequência da impunidade, aliviaram-se as costas dos bandidos. Furto é subtração sem violência e roubo mediante violência, mas no fundo há perda para a vítima do mesmo jeito.
– E, no caso das ocorrências locais – intervém o Mário – estão a dizer que não são assaltos e sim furtos qualificados. Não sou formado em Direito, mas entendo que qualquer invasão de propriedade, à mão armada ou não, é assalto, é violência.
– Concordo com você – diz Chiquinha – essa diferenciação de conceito para o mesmo crime só serve para amenizar a situação do criminoso, porque a vítima continua no prejuízo. Pelo andar da carruagem, vítimas de ladrões acabarão sendo culpadas. Há os que dizem que como causa desses crimes está o fato de as casas estarem vazias, enquanto os residentes estão no trabalho. Só falta dizer que são furtos consentidos, porque os residentes deixaram a casa vazia.
– Furtos qualificados consentidos – completa Tatão – e não duvido que assim os nomeiem. Vejam que estupros em que não há sinais evidentes de resistência por parte da mulher, a relação é tida como consentida. E tudo fica por isso mesmo!

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