Como sentir o mundo?

26 de Agosto de 2016
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Enquanto aguardavam a hora de embarque, na estação rodoviária, duas senhoras conversavam e, como não em segredo, quem por perto estava podia ouvir o que diziam; por sinal, nada de especial, mas a observação feita, em dado momento, por uma delas, deu para acender a luz da percepção mais profunda sobre vários aspectos da vida hodierna. Ela disse estar um tanto cansada por ter dormido pouco e esse pouco ter sido muito agitado por sonhos incômodos. Tendo sua amiga perguntado, se ela tinha alguma séria preocupação, respondeu que não e se explicou: - normalmente, não vejo jornal na televisão, mas ontem assisti e fiquei chocada com sério acidente, no qual várias pessoas morreram. Segundo ela, teria imaginado a situação das respectivas famílias que, além da perda humana, poderiam, a partir daquela tragédia, sofrer limitações financeiras com a perda do suporte familiar.

Está aí uma questão a requerer atenção especial por parte do indivíduo, para que sua vida não se torne um calvário, a transcender a cruz que cada um já tem para carregar. Todos têm necessidades, nem sempre com possibilidades de atendimento, todos sofrem perdas, todos passam por frustrações, traições, mais mil e uma mazelas próprias da condição humana. Vive-se num mundo conturbado por série de fatores, necessidades artificiais, criadas a partir de interesses de terceiros e, como se tudo isso ainda fosse pouco, o lar de cada um é invadido por enxurrada de informações, nas quais prevalece a negatividade representada por guerras, tragédias e desgraça humana generalizada.

Há que separar a vida individual, sem que essa separação represente descaso, apatia ou insensibilidade em relação aos flagelos e aflições de terceiros. Não se deixar envolver por sentimentos em relação aos problemas a si não vinculados, diretamente, é algo difícil e muitas pessoas não conseguem fazê-lo. Deixam que a angústia interfira em sua vida, prejudicando o relacionamento dentro do seu círculo íntimo, interferindo no rendimento do trabalho e, pior alterando, negativamente, suas condições de saúde. Não raras vezes, tais pessoas consideram isso inevitável e necessário como solidariedade humana; nada mais falso. Na verdade, é um sofrimento desnecessário a se somar ao oceano de atribulações humanas, pois em nada ele contribui para o alívio do sofrimento alheio. Pessoas sob o peso da hipersensibilidade comportam-se como esponjas a absorver a humidade do gelo, pois chamam o problema a si e nunca o resolverá onde, de fato, está.

Considere-se como atitude mais conveniente o princípio contido no dito popular: “muito ajuda quem não atrapalha!” Viver de forma a não prejudicar a ninguém conscientemente, é o bastante para ser solidário com toda a espécie humana, não importa o que esteja a acontecer, se não tem relação direta consigo. Pessoas religiosas podem acrescentar orações, desde que suas vidas estejam em conformidade com o dito anteriormente. Se não, orações podem não ter valor! Quem assim vive está a fazer sua parte, se não para que o mundo seja melhor, pelo menos, para que não seja pior. Imagine-se a cidade suja, as ruas tomadas pelo lixo, que o indivíduo sozinho não consegue eliminar. Entretanto, se ele não contribui para que mais suja a cidade se torne, sua parte na solução do problema já está feita. Ninguém é responsável pelo todo, mas, sim, pelo que lhe compete diretamente! Se a pessoa tem como ajudar o semelhante, diretamente, ou por intermédio de associações, que o faça dentro dos seus limites, sem se prejudicar.

Entretanto, para um círculo menor de pessoas há que levar em conta o peso de sua responsabilidade dentro da sociedade, pois delas se cobra mais que o simples “não atrapalhar”, considerando que de suas ações podem depender o curso da história humana. Ainda que, também, sem se envolver, sentimentalmente, cabe aos governantes, juristas, políticos, educadores, profissionais da saúde, da segurança pública, da comunicação, empresariado e outros com algum poder de influência, em sintonia com a sua área, conduzir ações no sentido de promover o bem-estar coletivo e de minorar o sofrimento alheio, enquanto o cidadão comum cuida de sua vida em particular, sem maiores preocupações.

Assim como na cena descrita no início do texto, muitas pessoas absorvem a angústia, a tristeza e os incômodos decorrentes de acontecimentos infelizes, ainda que estes não tenham ligação direta consigo. Não sabem, ou, se sabem, não levam em conta o mal que fazem a si próprias, especialmente no tocante à saúde, que pode decair seriamente a um ponto sem retorno. Não sabem, ou, se sabem não levam em conta que sua primeira obrigação é cuidar de si próprias. Não sabem, ou, se sabem procuram esquecer que à sua volta há quem possa depender de si.

Comments powered by Disqus

Newsletter

Acompanhe-nos

Encontre-nos no Facebook