Feios que se cuidem

10 de Janeiro de 2011
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

A quem fora da sala e, de longe, ouvia o noticiário da televisão, parecia tratar-se de beldade destacada em reunião social ou evento de grande significado. Eram elogios e mais elogios relativos à beleza de uma jovem, que o repórter considerava candidata natural às passarelas. De fato, era bela a jovem focalizada pelas câmeras, e, razão havia para os elogios. Mas, além da beleza, o que mais chamava a atenção sobre a garota, naquele momento, era seu envolvimento com o mundo do crime, ao participar de assalto a supermercado. Em companhia de dois comparsas, a garota fora filmada na ação criminosa por câmeras de vigilância do estabelecimento comercial, o que serviu para seu reconhecimento ao passar diante de guardas municipais.

Ao invés da passarela como sugeriam seus olhos verdes, segundo o repórter, a garota estudante, de dezoito anos estava agora atrás das grades. O profissional enfatizava o detalhe da sua beleza, enquanto narrava como teria acontecido o assalto e, a consequente prisão dos envolvidos; fato corriqueiro que se repete todos os dias, com ligeiras variações, nas megalópoles e, eventualmente, já acontece até em povoados. De acordo com a mesma narrativa, ninguém a veria como criminosa, pois, de forma alguma, abria margem a suspeitas com sua beleza morena, olhos verdes em corpo escultural de um metro e setenta de altura.

E aqui se mostra, mais uma vez, entre tantas outras oportunidades, a questão do preconceito, prejulgamento e discriminação do semelhante com base nas aparências. Em detrimento da competência, oportunidades de crescimento pessoal são negadas a todo o momento, porque pessoas não se enquadram no perfil da aparência convencionada, enquanto na outra ponta, a mediocridade é promovida e a desonestidade premiada, porque belos discursos e fachada física falam mais alto. A estupefação do repórter diante do comportamento da “gata do crime”, como passou a ser chamada a assaltante, leva à pressuposição de que todo é criminoso deve ser feio... ou, seria todo feio deve ser criminoso? A princípio, informava-se que a menina era de classe média e se mantinha, em São Paulo, com mesada de dois mil reais mensais. Além de bonita, a jovem assaltante estaria longe de ser pobre, abandonada pelos pais, ou em situação de risco social. Posteriormente, a informação foi corrigida. Não era rica, mas recebia dinheiro da mãe viúva, que vivia do trabalho, e com grandes sacrifícios dava suporte à filha estudante. Sacrificava-se para que a filha alcançasse seu sonho como profissional: ser delegada de polícia. Ironia do destino!

Por que as primeiras informações eram de jovem bem situada economicamente? Também aí entram o pré-julgamento e o preconceito, pois beleza pessoal é, falsamente, associada à riqueza ou, pelo menos, situação remediada economicamente, enquanto feiura e simplicidade, especialmente no vestir, são tidas como sinais de pobreza.

Muitas gafes se cometem, principalmente no comércio, com base na premissa de que feiura e simplicidade denotam pobreza. Uma delas, ouvi de ex-gerente de loja: em manhã de sábado, dia em que, tradicionalmente, se separavam alguns trocados, para atender esmoleres, entrou na loja um homem, já idoso, muito mal vestido, calçado com antigas alpargatas e a carregar surrada bolsa de lona. Vendo o velhinho a se aproximar, meteu mão na gaveta para apanhar o donativo, mas, antes que a retirasse, ouviu do recém-chegado sua vontade de comprar. Envergonhada, pois quase expusera seu preconceito diante do cliente, passou a atendê-lo. Foi a melhor venda feita por ela em sua vida profissional! A bolsa de lona estava abarrotada de cédulas do maior valor naquela época!

Segundo alguns, violência e criminalidade são resultantes da pobreza, da miséria, da fome, do desemprego, da exclusão social; teoria facilmente derrubada quando se veem braços musculosos a empunhar armas pesadas, condição e ato incompatível com a fome; também derrubada pelo envolvimento de indivíduos com boa situação econômico-financeira, bom emprego. Ninguém nunca viu subnutrido e faminto integrante de gangue, que assalta, sequestra, mata e leva o terror à sociedade.

Se verdade fosse, este país já teria soçobrado sob o peso da ação da maioria pobre, grande parte ainda inserida na miséria e excluída de tudo.

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