Genival, seu destino era Ouro Preto

29 de Julho de 2014
Jornal O Liberal

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Flávio Andrade

“Se você deixar eu vou; se você num deixar, eu vou assim mesmo”. Foi assim que o garoto Genival, do alto dos seus 12 anos, declarou ao seu pai que vinha conhecer Ouro Preto. Isto aconteceu pelos idos de 1935, no distrito de Cachoeira, município de Rio Largo, no sertão das Alagoas. Depois de ouvir na escola sobre a Inconfidência Mineira, ele se colocou um desafio: “Ainda vou conhecer Ouro Preto”.

Pois não deu outra. No ano seguinte ele embarcou no navio Itanajé com destino ao Rio de Janeiro, onde um tio o esperaria. Para viajar sozinho – com 13 anos apenas – teve que ir com o pai à Polícia tirar um salvo-conduto.

E como bancar esta aventura, já que seu pai era um pequeno comerciante? O Genival menino era cambista de jogo do bicho e juntou um dinheirinho bom, que guardava num livro da sua casa. Ele chegou até a pagar, escondido, uma duplicata vencida que atormentava seu pai.

No navio, ficou amigo de um cabo da Polícia de nome Pebinha que, pelas voltas do destino, teve ligação com o 10º Batalhão de Caçadores sediado em Ouro Preto.

Chegando ao Rio, pediu logo ao tio para informar-lhe onde era o Ministério do Trabalho. Tinha trazido a Carteira de Trabalho do seu pai para resolver uma pendência. Assunto resolvido, mandou o documento pelo correio de volta para as Alagoas.

O tempo foi passando, mas Ouro Preto não saía da sua cabeça. Ficou sabendo que um primo tinha um parque de diversões rodando pelo interior de Minas. Logo pensou: achei o meu caminho. Com muito esforço, conseguiu encontrar-se com seu primo e contou da sua vontade. O primo convidou-o para incorporar-se à caravana.

Em 1936, Genival começa a concretizar o seu sonho: chega a Ouro Preto como eletricista, bilheteiro e iluminador do Parque de Diversões Sul Americano. Ele fazia de tudo um pouco. O parque era simples, mas impressionava: “Era o único do Brasil que tinha roda-gigante”, lembra.

No entanto, a vida do parque era viajar. Esgotado o tempo em Ouro Preto, o parque toma o rumo do rio São Francisco e sobe até Juazeiro, na Bahia, levando alegria e magia às cidadezinhas das margens. Quando estavam em Maragogipe, estourou a 2ª Guerra. Em Alagoinha, também na Bahia, quebrou a manga de eixo do caminhão. Como não tinha nem sombra de mecânico naquele fim de mundo, Genival andou mais de 100 quilômetros a pé para buscar socorro. Gastou um par de sapatos nesta caminhada.

Em 1947, o parque volta a Ouro Preto, instalando-se na Praia do Circo. Genival já começa a arquitetar a sua permanência naquela que, pelo que o coração lhe dizia, era a sua cidade. Arrumou um quarto para dormir no casarão onde funciona hoje uma academia, na própria Praia do Circo. Lembra que, como não tinha banheiro, ele tomava banho na Banheira, ainda hoje existente na Água Limpa.

Numa noite no parque, ele conheceu a jovem que mudaria sua vida: Alice Coppoli. Começam a namorar, apesar da resistência do sogro: “Minha filha vai começar a namorar, depois este homem vai embora com o parque ela fica solteirona”. Aos poucos, Genival ganhou a confiança do sogro, que permitiu o relacionamento. Em outubro de 1948, Genival tomou coragem e pediu Alice em casamento. Casaram-se em 29 de dezembro de 1948.

Após passarem a lua-de-mel no Rio de Janeiro, o casal incorpora-se à turma do Sul Americano, que estava em Ubá. Insatisfeito com esta situação e querendo que a filha voltasse para Ouro Preto, o sogro lhe propôs uma sociedade. O velho Coppoli tinha uma fábrica de camas, onde hoje funciona o quartel da Guarda Municipal, no Pilar. Para evitar que Genival partisse com o parque, sugeriu-lhe abrir uma fábrica de colchões de capim, para completar as camas que vendia. E assim foi.

Em 1951, o Sul Americano continuou a sua caravana e o seu faz-tudo ficou na cidade com que ele sonhava, agora como pequeno empresário.

Genival alugou uma garagem e a fábrica começou a produzir. As coisas estavam indo bem, vendendo até para outros estados, mas faltava-lhe o capital de giro para ampliar o negócio.

Algum tempo depois, um amigo do sogro abriu uma transportadora em Ouro Preto e pediu a indicação de um gerente. Pela experiência que Genival adquirira na fábrica, Pedro Coppoli indicou o genro para o cargo.

Começava a vida de Genival na Transportadora Rio Minas, cujo escritório funcionava no atual prédio do Bradesco, na Praça Tiradentes. Ele era, ao mesmo tempo, gerente, despachante e motorista, operando um caminhãozinho verde e amarelo 1941.

Logo no início, a Rio Minas ganhou uma concorrência para levar os produtos da Elquisa, atual Novelis, para o Rio de janeiro. Era um bom negócio e Genival empenhou-se em mostrar que podia substituir a contento a firma anterior, a Expresso Ouro Preto, que perdera a licitação.

Um caso que ele lembra às gargalhadas é o da concorrência, ganha também do Expresso Ouro Preto, para transportar produtos da CSN, de Volta Redonda.

A turma do Expresso, com o poderoso Dr. Raimundo Machado da Aluminas à frente, não se conformou e pressionou a CSN para dividir a carga. Certo dia, Genival foi chamado para ir à Telefônica, na Rua das Flores. Naquela época, não se faziam ligações interurbanas na hora como hoje. Alguém de fora que quisesse falar com alguém em Ouro Preto ligava para a Telefônica, que mandava um recado para a pessoa ir à sede da empresa a tal hora para receber a ligação.

Genival foi à Telefônica na hora marcada e conversou com um diretor da CSN. Eles precisavam que ele estivesse no dia seguinte em Volta Redonda para conversar. Sem saber do que se tratava, Genival volta para o escritório da Rio Minas. Quando está subindo a Rua das Flores, vê o Antero Machado, que era gerente do Expresso, entrando na Telefônica.

Deduziu na hora: deve ser o pessoal da CSN chamando o Antero para conversar também. Naquela mesma tarde, Genival parte de ônibus para BH. A ideia era dormir na capital e pegar o voo no dia seguinte cedo para o Rio. Para sua surpresa, ao entrar no ônibus Genival depara-se com o Antero, também indo para BH. Cumprimentaram-se, mas não conversaram.

Em Belo Horizonte, Genival hospedou-se num hotel na praça da Estação, e o Antero num outro próximo, na rua dos Caetés. Cedo, um táxi contratado pela CSN pega o Genival no hotel e, ao rumar para o aeroporto da Pampulha, passa no hotel da Rua dos Caetés para pegar “um outro passageiro”. O motorista desce e volta bravo para o carro, pois o outro passageiro já tinha ido embora.

Matando a charada, Genival pergunta ao motorista qual é o nome deste outro passageiro. “É Antero”, responde o motorista, furioso por que não receberia a outra corrida. Calmamente, Genival pede ao motorista para ficar tranquilo, pois ele conhece o Antero e vai mostrá-lo no aeroporto.

Já no aeroporto, encontram o Antero, que pede desculpas ao taxista e acerta a sua parte na corrida. Depois da saída do motorista, Genival e Antero ficam por ali, meio sem jeito e acabam se despedindo. Um desconfiado do outro, mas sem tocar no assunto. Ninguém falava pra onde ia.

Ao entrar no avião com lugares marcados para cada passageiro, acabam sentando-se lado a lado. Fingem-se espantados com a “coincidência”. Como bons mineiros, conversam sobre diversas coisas, mas não tocam no assunto da concorrência, nem da CSN, nem da Rio Minas e nem do Expresso.

Chegam ao Rio e cada um parte prum lado, despedindo-se cordialmente. Os dois foram se encontrar, fingindo surpresa, no escritório da CSN em Volta Redonda. “Você por aqui, Genival?”, pergunta um. “Você por aqui, Antero?”, responde o outro.

Depois de um dia se esquivando e fingindo que não era com ele, Antero abre o jogo: “Você sabe, né Genival, é o negócio da concorrência. Vamos fazer um acordo?”. Sentaram-se com a Direção da CSN e combinaram de dividir a carga entre as duas empresas.

O trabalho na Rio Minas durou 12 anos. Em 1964, Genival é indicado pelo chefe político da época na cidade, Teódulo Pereira, para assumir a gerência da Caixa Econômica Federal, que seria instalada em Ouro Preto naquele ano.

Já em 1966, em plena Ditadura Militar, é escolhido pelo grupo do Teódulo, com Artur Drummond à frente, para candidatar-se a prefeito pela Arena, partido do Governo. O seu contato com motoristas, o seu jeito simples e a sua presença nos distritos fazendo entregas pela Rio Minas o transformaram num candidato com viabilidade.

Genival é eleito com Antônio Roriz de vice e toma posse em janeiro de 1967. Governa até 1970, passando o Governo para um mandato-tampão de dois anos para Benedito Xavier. Em fins de 1971, Genival é novamente eleito e fica na Prefeitura até fins de 1976.

O seu jeito de ser contaminou o seu trabalho político. Amigo, generoso, humilde, popular e brincalhão. Pessoas que conviveram com o prefeito Genival se lembram de duas coisas marcantes dos seus mandatos: obras e alegria.

Isto tudo que escrevo aqui foi nos contado pelo próprio Genival numa agradável prosa na sala de sua casa numa noite de 2010. Saímos da casa dele – Aluísio Drummond, Paulinho Pires e eu – comentando da admiração que tínhamos por aquele homem.

A sua morte há poucos dias me fez de novo refletir sobre a trajetória de um menino saindo do sertão das Alagoas, partindo pro mundo sozinho num navio aos 13 anos, chegando numa cidade mágica num Parque de Diversões e virando prefeito dela por duas vezes.

Genival sonhou e assumiu o seu destino: Ouro Preto.

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