Modernidade perneta

21 de Janeiro de 2016
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

A conversa se desenvolvia numa fila - irrelevante saber do quê ou para quê – circunstância das mais favoráveis para o estabelecimento de novas relações, contar/ouvir causos, trocar opiniões e desabafar sobre tudo que incomode no momento, o que por si só garante que, de tédio, ninguém morrerá se o tempo na fila perdurar até, ou mesmo ultrapassar, os limites do absurdo. O assunto em foco também era irrelevante, mas aos ouvidos de quem está sempre atento às muitas variações, observadas no comportamento humano, sempre surge algo interessante, que incomoda ou surpreende.

Em dado momento, indivíduo ainda jovem, referindo-se ao seu progenitor, usou o termo “papai”. A expressão, caída em desuso entre as novas gerações, suscitou olhares de surpresa, pois, em tempo de tantas mudanças, infelizmente, nem sempre para melhor, até o relacionamento intrafamiliar se deteriorou, nivelando-se com o de grupos não familiares, pela falta da afetividade. Em lugar de “papai” e de “mamãe”, tratamento afetuoso prolongado desde o berço, onde se balbuciam as primeiras palavras amorosas entre pais e filhos, o sentimento de posse, valorizado ao extremo, introduziu “meu pai” e “minha mãe”.

Não mais “papai” e “mamãe”, outrora assim chamados por serem doadores de vida, de amor, de carinho, genitores são tidos mais como provedores do sustento amplo e irrestrito, o que vale serem cobrados além do que lhes permite a situação financeira. Não mais a “bênção” paterna e materna, rogada pelo filho, ao despertar, a cada manhã, ao se recolher à noite, nas despedidas ao se ausentar do lar ou em qualquer momento decisivo de sua vida. Mal sai dos cueiros, o infante já se acha “gente” com direito a montar o “imperiozinho”, no qual sua vontade é lei e “meu pai”, “minha mãe” os principais súditos, condição em que caíram com renúncia à autoridade paterno/materno, em favor da televisão. A autoridade, enfraquecida pela influência televisiva, sofreu seu golpe de misericórdia mediante intervenção invasiva do Estado com o impedimento de corretivos domésticos, sem os quais o pequeno títere inicia sua vida sob o guarda-chuva da impunidade, que terá prosseguimento, mais tarde, se enveredado para a marginalidade.

O Brasil talvez seja, se não na totalidade, porém em grande parte, o único país que abandonou o tratamento afetuoso intrafamiliar, sob a crença de uma informalidade moderna que remova barreiras nas relações entre pais e filhos, depois de considerar piegas o tratamento afetuoso, respeitoso, em mão dupla. Em diferentes culturas e idiomas, os termos afetuosos, “papai” e “mamãe” estão presentes; em Portugal/ papá e mama; Estados Unidos/ “dad” e “mommy”; Espanha/ “papá” e “mamá”; Itália/ “papa” e “mamma”, não sendo muito diferentes em outras línguas, as palavras formadas por duas sílabas repetidas.

Acontece que esse tipo de tratamento, vinculado ao conceito de hierarquia, é a base do comportamento social do indivíduo, mais tarde, no momento de assumir suas responsabilidades como cidadão. É por meio da troca de afeto, a começar do tratamento, “papai”, “mamãe”, de um lado, e o apelido carinhoso, geralmente em diminutivo, endereçado ao filho, que se agregam à personalidade em formação, os ideais de respeito, de aceitação da autoridade, de convivência harmoniosa dentro da sociedade. É assim, de forma sutil, que o infante aprende a se situar no mundo, onde direitos individuais não podem e não devem prevalecer sobre os direitos coletivos e nem sobre os do próximo. Tal qual o avião que voa dentro de uma caixa imaginária, para que não colida com outras aeronaves, também a vida do indivíduo tem seus limites, em respeito aos direitos dos demais.

Não mais assim é o comportamento do indivíduo, razão pela qual a criminalidade cresce e foge ao controle das forças de segurança, mais e mais processos abarrotam os tribunais e o número de condenados pela Justiça, quando alcançados pela Lei, cobra a construção de mais presídios. Rebeldia, indisciplina, desrespeito às normas de convivência social tão comum hoje, talvez já sejam resultante do chamado ambiente “democrático” implantado com o nivelamento da relação entre pais e filhos, momento em que os termos “papai” e “mamãe” foram substituídos por “meu pai” e “minha mãe”.

Restabeleçam-se, entre pais e filhos, os valores calcados na autoridade, respeito e afeto mútuos, que destacam e sobrepõem a importância do “ser” à necessidade do “ter”, e surgirá uma sociedade menos conflituosa!

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