Mosquitos e corruptos

24 de Março de 2017
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

O aedes aegipty, não satisfeito com os estragos provocados no sossego da população, quando não diretamente na saúde por meio da dengue, da zica e chikungunya, voltou a atacar com sua arma mais antiga, a febre amarela, que foi terror na cidade do Rio de Janeiro ao lado da peste bubônica, no porto de santos-SP, no início do século vinte.

Com muito mais rigor que as campanhas de agora contra o mosquito, o médico sanitarista, Oswaldo Cruz, já bem conhecido nos meios acadêmicos, porém totalmente desconhecido da população, empreendeu trabalho sério para erradicar os flagelos. Segundo os registros não foi nada fácil, pois, praticamente toda a sociedade se voltou contra ele, sobretudo quando se estabeleceu a obrigatoriedade da vacina, recurso ainda pouco conhecido.

Houve a chamada Revolta da Vacina com refregas contra a polícia, greves, barricadas, tiroteios nas ruas. Era a população em levante contra o governo, chegando a conseguir adesão dos cadetes da Escola Militar. Para dominar o movimento foi decretado estado de sítio. Mas, a persistência do cientista venceu, erradicando a febre amarela e obtendo o reconhecimento do povo.

Exatamente cem anos após a morte de Oswaldo Cruz (em 11.02.1917), o Brasil, e não somente o Rio de Janeiro, se vê às voltas com a febre amarela; populações inteiras em busca da vacina, repudiada no início. Agora, não mais revolta contra a vacina, mas a pique de haver contra sua falta ou demora no atendimento, embora esteja o povo sendo esclarecido de que urgência de vacinação, só para as populações das regiões afetadas e para pessoas que, para lá, se dirigem. Ainda há que se ter o cuidado de cumprir o intervalo de dez dias entre a aplicação da vacina e a viagem, pois antes disso a ela não terá efeito positivo.

A insistência das pessoas em ter a vacina deve-se, em parte, à desconfiança, sabendo-se que em outras ocasiões a verdade foi ocultada, o que não se repete agora, porém a sequela deixada ainda está ativa no espírito de alguns. Outra parte se deve a não informação, não por falta, mas por descaso e prioridade dada a assuntos secundários ou supérfluos, como o futebol, por exemplo. Por preguiça de ler e, diante da televisão, focar no entretenimento em detrimento da necessária informação, pessoas reagem de forma contrária ao esperado.

Ainda que não seja algo generalizado e, sim, pontual e local, a morte de um mico a pauladas, por temê-lo portador da febre amarela e transmissor da mesma, dá o que pensar sobre o que pode fazer a ignorância, gerada pela falta de interesse em se informar, porque informação há, e, meios de obtê-la também estão à disposição da grande maioria. Sem falar na televisão, grande fonte de informação, por toda parte e a qualquer momento encontram-se pessoas profundamente absortas na cutucação dos telemóveis, como dizem os lusitanos, onde postam e de onde absorvem bobagens e mais bobagens, que nada acrescentam à vida, deixando de lado o prioritário, o essencial. Se pensa que é exagero, faça a experiência. Poste no Facebook uma informação, uma notícia de interesse público e aguarde a reação. Depois de algum tempo, a postagem obterá algo como quatro ou cinco curtidas e nenhum compartilhamento. Depois poste uma foto de mulher seminua ou vídeo de alguém a berrar na rua ou qualquer outra bobagem. Em pouco tempo, a postagem dá volta ao mundo. Por isso a informação, de que o macaco é só vítima e não transmissor da febre amarela, não chegou aos matadores do pequeno mico que, presume-se, nem doente estava.

No outro lado da bestialidade humana, a vítima é o próprio semelhante quanto à espécie e origem; semelhança que, quanto ao caráter, desaparece do oponente. Este, ao contrário do matador de macaco e mais que bem informado, vale-se de sua privilegiada condição econômica, despreza a ética, o respeito aos direitos humanos e de cidadania, para auferir lucros extras com a conivência corrupta de agentes do governo. É assim que o mercado consumidor torna-se abastecido com carne, cujo destino nunca poderia ser a mesa, devido ao seu estado de podridão. Mais uma vez uma vez a ganância, aliada à corrupção, assalta o bolso e investe contra a saúde do consumidor, num escândalo que assombra e se soma a tantos outros, que o público já considera triviais. O que mais incomoda é a ousadia e destemor dos fiscais, a presumir que a punição, como em outros casos, poderá ficar aquém do peso do crime, sabendo-se que a descoberta era apenas uma questão de situação na linha do tempo de trabalho da Polícia Federal.

Esta é sorte dos brasileiros nos últimos anos: de um lado um mosquitinho a brincar com a vida humana e, do outro, gente que não merece tal classificação, também a brincar e ganhar dinheiro, ainda que seja a custa da saúde e de possível morte de seu semelhante.

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