Assunto melindroso

17 de Março de 2017
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Saio um pouco da crítica e expresso, neste espaço, meu pensamento, bastante pessoal, sobre assunto melindroso a incomodar muita gente. Reafirmo não se tratar de crítica, porque cada um, dentro da ética e do estrito preceito legal, tem o direito de se conduzir e de agir, em consonância com pensamento próprio. Assim sendo, como mortal entre os demais, também exerço o direito de me conduzir de acordo com o meu pensamento, sem que isso entre em choque com o que pensam e fazem outras pessoas. Isso é parte da salutar diversidade humana, que inclui a liberdade de pensamento a cada indivíduo.

Colocada esta explicação, vamos ao que interessa. Não há muito tempo, profissional de vendas abordou-me a dizer que tinha excelente proposta relativo a algo, que todos um dia vão precisar. Ante aquele “todos um dia vão precisar” acendeu-me a luzinha vermelha, o que significa alerta contra algo, que não me seduz. O rapaz continuou sua explanação, a preparar terreno para a investida final. Em confirmação às minhas suspeitas iniciais, acabou por me oferecer um plano funerário que, segundo ele, cobriria todas as despesas e libertando-me de minhas preocupações com relação ao destino do meu corpo, quando me fosse desta para melhor (?). Prevenido, contrapus às presumidas “minhas preocupações” com a pergunta:

  • E quem lhe disse que eu tenho preocupações com relação a esse assunto?

  • Não tem? – perguntou ele, acrescentando – vejo que cheguei atrasado, pois o senhor, certamente, é subscritor de algum plano concorrente, mas garanto que o seu plano não oferece todas as vantagens oferecidas pelo nosso.

  • Desculpe-me, mas, o senhor não entendeu o que eu disse. Não é que eu tenha um plano desses; o caso é que não me preocupo com essas coisas... O vendedor me interrompeu:

  • Auguro-lhe vida longa, mas o senhor sabe que um dia, vai precisar de um serviço fúnebre, de uma sepultura e tudo mais, requerido pela ocasião.

  • Certo que meu dia chegará e, então, estarei noutra, não necessitando de nada disso que o senhor afirma; necessitarão, sim, os que ficarem, para se livrar da carcaça que eu deixar. Isso é problema de quem fica!

  • Além de ser uma posição meio egoísta, o senhor não se preocupa com o que façam com o seu corpo.

  • Egoísta seria, se predeterminasse, aos que ficarem, o que fazer. O referido corpo não mais será meu. Ele poderá ser dito meu até o último alento; depois disso e temporariamente, até que se cumpram os preceitos legais, pertencerá ao Estado, após o que será liberado aos familiares, ou a quem interessar, para o sepultamento ou outro procedimento amparado pelas leis do país. E “c’est fini”!

  • Vejo que o senhor é radical, mas há de convir que a fé cristã diz que se deve dar fim digno ao corpo de uma pessoa.

  • O senhor acaba de confirmar o que digo. O preceito não diz que se deva antecipar providências, para serem executadas após a própria morte. Esse dar fim digno ao corpo de uma pessoa, refere-se à obrigação dos vivos.

  • Então, as pessoas prevenidas quanto ao seu próprio funeral estão erradas?

  • De forma alguma estão erradas, pois o preceito cristão não proíbe e nem tampouco as leis vigentes. Cada um é livre para adotar essa ou aquela posição com relação ao assunto. Minha posição é de que após a essência da vida se for, o corpo não mais me interessa e fica livre para o destino que quiserem lhe dar.

  • Vejo que com o senhor não faço negócio!

  • E não faz mesmo! Proponha-me um negócio para vida e vamos conversar. A morte não deveria ser base de negócio e sim de solidariedade e, principalmente, de atenção do serviço público. Se o Estado cobra e recebe tantos impostos, a ele deveria caber as providências finais, cessada a vida do cidadão, não permitindo que tanta exploração se faça em torno da morte. Deveria haver um serviço padrão disponível para todos e a família desejosa de um serviço especial, que recorresse a agência funerária.

  • Mas aí o serviço privado ficaria muito mais caro.

  • Não importa; quem puder pagar e quiser destaque, que pague.

  • A essa altura de nossa conversa, aposto que o senhor é partidário da cremação.

  • Acertou na mosca. A cremação é o mais correto, higiênico e econômico destino a ser dado aos restos mortais humanos. Há que cuidar mais dos vivos!

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