Não Entendo

02 de Setembro de 2011
Valdete Braga

Valdete Braga

Existem alguns assuntos tão polêmicos que fica difícil para o cidadão comum comentar, sem correr o risco de cometer algum equívoco jurídico. Mas eu acredito que democracia é isso: a pessoa poder se expressar, agradando ou desagradando, desde que sem ofensas ou agressões pessoais. Todos devem ter o direito à livre manifestação.

Deixo a política para os políticos, as questões legais para os advogados e as questões pessoais para quem estiver envolvido pessoalmente. Mas como cidadã, pessoa física, ouropretana cumpridora de seus deveres e merecedora de seus direitos, não posso deixar de manifestar-me. Não sou política, nem empresária, nem candidata, nem cabo eleitoral de ninguém. Sou, assim como você que me lê agora, um ser humano que teve a felicidade de nascer e viver praticamente uma vida inteira nesta cidade de Ouro Preto, que amo muito.

Não me sinto suficientemente capacitada para entrar no mérito legal da questão do alargamento ou não dos passeios da Rua São José. Respeito os nossos dirigentes, que querem a obra, como respeito os moradores e não moradores que não a querem. Tenho a minha opinião, é óbvio, mas – desculpando-me se estiver sendo repetitiva – o que eu não consigo entender, como cidadã e como ser humano, está muito além da questão dos passeios em si. Não que ela não seja importante, mas existe uma questão, a meu ver, muito mais séria: a Lei. Leis existem para serem cumpridas, ou viveremos no caos. Leis devem ser cumpridas por mim, por você que me lê, por ricos, por pobres, por autoridades, por empresários, por TODOS.

A Lei de Tombamento existe. Que seja cumprida, não questiono isso. Mas também é verdade que leis podem – e devem, se necessário – serem mudadas. Eu disse: se necessário.

Não faz muito tempo, presenciei uma das cenas mais grotescas da minha vida. Um pseudo-fiscal desacatou uma senhora já de idade, em frente ao ponto de ônibus, gritando, literalmente para ela: “a senhora tire isso daí ou vou voltar e multá-la”. “Isso daí” era a janela de uma casa assobradada, fora dos padrões. A senhora estava na janela, o pseudo fiscal passou, desceu do carro, gritou essa pérola, entrou no carro de novo e foi embora. Entendo que seja um caso isolado. Por isso eu disse: pseudo-fiscal. Obviamente existem bons profissionais no ramo, e um bom profissional jamais teria uma atitude anti-ética, desumana e cruel como esta. A senhora continuou na janela sem saber o que fazer, todos no ponto de ônibus ficaram indignadíssimos e não tive mais notícia do caso.

Não se deve generalizar. Em toda profissão há os corretos e os cretinos, me desculpem o termo. Mas neste caso específico, por mais errada que a senhora estivesse, por mais que a janela estivesse fora das leis do tombamento, ninguém tem o direito de falar assim com outro ser humano. “Isso aí” é o que ela pode ter, construído, comprado, herdado, não importa. Se está contra a lei, vamos esclarecer, conversar, achar uma forma de resolver. Mas descer do carro, apontar o dedo e gritar “tira isso daí que eu volto”, nem na época da ditadura. Pseudo-fiscal, sem o mínimo preparo para o cargo.

Desculpem a minha ignorância, mas são incoerências que eu não entendo. Passei por isso e falo com propriedade. Como a mesma lei que exige tanto – permitindo até humilhações públicas - aos mais humildes porque eles mudaram alguma coisa em sua casa, quebra passeios de uma rua central e histórica?

Pelo amor de Deus, eu não quero briga com ninguém. Só quero entender. Se eu não posso fazer uma reforma mínima em minha casa na periferia, se uma senhora idosa é humilhada diante de várias pessoas que esperam um ônibus, e nos dizem que isso é pela Lei, como essa Lei quebra ou emenda, aqui não vem ao caso, passeios no centro? São duas leis? Uma que me exige mundos e fundos para uma reforma simples e necessária em minha casa e chama de “isso aí” a janela da pobre senhora e outra que pode quebrar?

Perdoem-me a minha ignorância, mas eu simplesmente não entendo.

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