Para Pensar

26 de Agosto de 2011
Valdete Braga

Valdete Braga

Buda estava sentado embaixo de uma árvore falando aos seus discípulos. Um homem se aproximou e deu-lhe um tapa no rosto. Buda esfregou o local e perguntou ao homem: – E agora? O que vai querer dizer?

O homem ficou confuso, porque ele próprio não esperava que, depois de dar um tapa no rosto de alguém, essa pessoa perguntasse: “E agora?” Ele insultava as pessoas e elas ficavam com raiva e reagiam. Ou, se fossem covardes, sorriam, tentando suborná-lo. Mas Buda não era nem uma coisa nem outra. Ele não ficara com raiva nem ofendido, nem tampouco fora covarde. Apenas perguntara: “E agora?”

Os discípulos ficaram com raiva, reagiram. O mais próximo, Ananda, disse: – “Isso foi demais: não podemos tolerar.” Nós vamos mostrar a este homem que ele não pode fazer o que fez. Ele tem de ser punido por isso. Ou então todo mundo vai começar a fazer essas coisas. “

– Calma - interveio Buda – ele não me ofendeu, mas você está me ofendendo. Ele é novo, um estranho. E pode ter ouvido alguma coisa sobre mim de alguém, pode ter formado uma idéia, uma noção a meu respeito. Ele não bateu em mim; bateu nessa noção, nessa idéia. Ele não me conhece, como pode me ofender? As pessoas devem ter falado alguma coisa a meu respeito, que “aquele homem é um ateu, um homem perigoso, que tira as pessoas do bom caminho, um revolucionário, um corruptor”. Ele deve ter ouvido algo sobre mim e formou um conceito, uma idéia. E foi nessa idéia que ele bateu.

Se vocês refletirem profundamente - continuou Buda - ele bateu na própria mente. Eu não faço parte dela, e vejo que este pobre homem tem alguma coisa a dizer, porque essa é uma maneira de dizer alguma coisa: ofender é uma maneira de dizer alguma coisa. Há momentos em que você sente que a linguagem é insuficiente: no amor profundo, na raiva extrema, no ódio, na oração.

O homem ficou ainda mais confuso. E Buda disse aos seus discípulos: Estou mais ofendido com vocês porque vocês me conhecem, viveram anos comigo e ainda reagem. Atordoado, confuso, o homem voltou para casa. Naquela noite não conseguiu dormir.

Na manhã seguinte, o homem voltou e atirou-se aos pés de Buda. De novo, Buda lhe perguntou: – E agora? Esse seu gesto também é uma maneira de dizer alguma coisa que não pode ser dita com a linguagem. Voltando-se para os discípulos, Buda falou: – Olhe, Ananda, este homem aqui de novo. Ele está dizendo alguma coisa. Este homem é uma pessoa de emoções profundas. O homem olhou para Buda e disse: – Perdoe-me pelo que fiz ontem.

– Perdoar? – exclamou Buda. – Mas eu não sou o mesmo homem a quem você fez aquilo. O Ganges continua correndo, nunca é o mesmo Ganges. Todo homem é um rio. O homem em quem você bateu não está mais aqui: eu apenas me pareço com ele, mas não sou mais o mesmo; aconteceu muita coisa nestas vinte e quatro horas. O rio correu bastante.

Portanto, não posso perdoar você porque não tenho rancor contra você. E você também é outro, continuou Buda. Posso ver que você não é o mesmo homem que veio aqui ontem, porque aquele homem estava com raiva; ele estava indignado. Ele me bateu e você está inclinado aos meus pés, tocando os meus pés; como pode ser o mesmo homem? Você não é o mesmo homem; portanto, vamos esquecer tudo. Essas duas pessoas, o homem que bateu e o homem em quem ele bateu, não estão mais aqui, Venha cá. Vamos conversar.

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