O inferno é nossa última esperança

30 de Setembro de 2016
Jornal O Liberal

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_***Israel Quirino**_

John Lennon um dia nos propôs: imagine que não há céu (imagine there's no heaven). Agora eu inverto a lógica. Imagine que não há inferno. Já pensou? O inferno é uma maneira que a cultura popular encontrou para pacificar a sociedade, minimizar nossos instintos de vingança e construir em nós a certeza de que haverá um juízo supremo capaz de punir aqueles que nos fizeram mal e que estão fora do nosso alcance de revide.

São muitos, ao longo da vida, que merecem arder no mármore do inferno pelo mal que nos causam e que nós, ainda que quiséssemos, por medo do mesmo inferno, não lhes retribuímos o mal na nesta proporção.

Agora, meu amigo, se o inferno não existe, nos passaram para trás, legal! Nós que, de maneira honrada e honesta, achamos que este bando de canalhas que conhecemos e que sempre nos prejudicam serão duramente castigados do lado de lá da vida, fomos enganados. O inferno, por mais impossível que pareça, é o único consolo que temos diante do mal que triunfa à nossa frente arrogante, petulante, asqueroso como o mal sempre é.

Esses párias arderão no inferno, acreditamos. E adormecemos justiçados, porque haverá uma justiça suprema, maior que qualquer justicinha dos homens da terra. Há alguma coisa maior e mais séria do que esse faz-de-conta que nos entorpece nos dias desesperados sob o sol. E isso nos conforta.

A Justiça Divina, essa sim, é equânime, saberá avaliar todas as provas (aliás, ela nem precisa de provas, pois é onisciente e onipresente – tudo vê, tudo sabe). Diante do tribunal celeste não há falso testemunho, não há prova dúbia, não há abuso de autoridade, nem preclusão, nada disso. Lá é tudo como é e não adianta disfarçar. Não tem meu-pé-me-dói. Ali se separará os carneiros dos cabritos e alguns, por merecimento, pelo mal que nos causaram do lado de cá, haverão de ir para as labaredas eternas. Eis o nosso consolo. O inferno é, pois, a nossa última esperança.

Por aqui labutamos com leis fajutas, mal feitas e mal interpretadas, com legisladores presunçosos e preguiçosos, oportunistas, autoridades autoritárias, arrogantes, poderes podres, corrompidos. Isso sim, parece o inferno. No fundo, todos nós gostaríamos de, pelo menos uma vez, poder cortar a cabeça de alguns desses salafrários e retribuir o mal com o mal. Mas não podemos, senão vamos pro inferno. Ah, o inferno! Esse sim é o lugar dessa gente.

Labaredas ardendo pela eternidade e o capeta os espetando com garfos de três dentes como repulsivos churrascos diabólicos. Todos estarão lá, um dia, pagando por seus pecados. Bem feito!

Mas, meu amigo... imagine que não há inferno. Putz! Quer dizer que toda essa gente que só nos fez mal, vai para no mesmo lugar daqueles que só fizeram o bem e gozarão as delicias da vida eterna? E gozaram da nossa cara de honrados e honestos que só fizemos papel de bobo aqui e não chafurdamos nas vantagens do imoral, do impróprio, do ilícito? Pô, mas isso não é justo!?. Não. Não é justo. Concordo. O inferno é mesmo a nossa última esperança de fazer justiça.

Mas e se não há inferno? De minha parte, prefiro crer que estes pútridos serão plantados como sementes ruins que não germinam e apodrecerão no esquecimento sob a terra que lhe cobrirá o peito no dia da morte. Esse será o castigo. Só isso.

Não sei se existe o inferno. Mas se existe, está vazio. Ariano Suassuna já nos adiantou no Auto da Compadecida, que todos serão perdoados nos últimos dias. Sendo assim, torço para não me sentar ao lado de Adolf Hitler pela eternidade. É que eu não sei falar alemão.

_***Professor e advogado**_

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