O velho, o aposentado e a crise

17 de Dezembro de 2015
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Num dia destes, tórridos pela ação climática e não menos pela influência de ações humanas, alguém me perguntou de que forma a atual crise econômica me afeta. Estranhei porque, até aquele momento, não havia pensado nisso, embora estejamos todos mergulhados nela, que é um dos assuntos mais focados, atualmente, pela mídia. Por um momento, parei para pensar e cheguei à conclusão de que, na verdade, em praticamente nada a crise me afeta. Tomo o cuidado de me prevenir contra os mais afoitos – entre os que não me conhecem – que não sou rico, condição falsamente admitida como vacina contra crises quando, na verdade, o rico pode ser o mais afetado nas crises econômicas.

Indivíduos podem, ou não, ser afetados, de formas diversas, por crises dessa natureza, dependendo muito mais da mentalidade e natureza de cada um do que da própria crise. Atingidos por ela, todos somos, porém, ser afetado é uma questão de posição individual. Quem valoriza excessivamente o material, ou se sente compelido ao consumo desregrado, é fortemente afetado pelas circunstâncias desfavoráveis, ao contrário de outro não apegado ao “ter” e livre para se limitar ao necessário, sem que se sinta diminuído em sua autoestima.

Contudo, sob perspectiva puramente pessoal, há que considerar outros aspectos entre os quais, em primeiro lugar, cito o fator idade. O fato de me situar em ponto mais avançado na linha do tempo de vida, torna-me menos vulnerável, pelo menos, em relação a pessoas mais jovens. Não mais sou assaltado por incertezas e ansiedade relativas a uma colocação no mercado de trabalho, nem busco por coisas já conquistadas ou superadas nas minhas expectativas, considerando como suficiente o que possuo, embora prejudicado pelo sistema previdenciário. Vista a crise por outro ângulo, digo que ela não me surpreendeu, assim como a tantas outras pessoas que previram consequências desastrosas, caso o Brasil viesse a sediar a Copa do Mundo, especialmente em ano de eleição federal. Quem já a esperava precaveu-se. Somente alienados não viam que não havia condições de o país arcar com tamanha responsabilidade, sem prejuízos para a coletividade, e, que a então pretensão, marcada por um ufanismo enganoso, fazia parte de projeto de continuísmo do poder político.

Em país desorganizado, pouco educado e dominado pela corrupção sistematizada, outro resultado não se podia esperar. Se outro fosse, seria milagre! Os esforços inescrupulosos – para não usar outra expressão – do partido situacionista, para vencer as eleições, fizeram o resto. Depois de tudo isso, vêm aí as Olimpíadas! Não, não foi surpresa a crise!

Historicamente, este país vive em crise crônica com curtos intervalos de regularidade. Outros países sofrem raros e ligeiros solavancos provocados por uma ou outra onda mais volumosa, aqui temos esparsas e rápidas calmarias em mar continuamente revolto. O que não deixa a coletividade perceber a real situação é a ignorância, mantida a pão e circo, em nova versão. Pensa-se ser esta única quando, na verdade, é mais uma entre as muitas!

Este tupiniquim também não é afetado pela crise, quando à idade avançada se junta o estado de aposentado, condição “sine qua non” para o brasileiro ser alijado de qualquer consideração oficial, à exceção da minguada aposentadoria, cinicamente classificada como “benefício”. O Estatuto do Idoso, documento de que se vangloria o governo, que aí está, não passa de letra morta, especialmente no que toca à remuneração justa do aposentado. O estatuto cita no Art. 29: Os benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral da Previdência Social observarão, na sua concessão, critérios de cálculo que preservem o valor real dos salários sobre os quais incidiram contribuição, nos termos da legislação vigente. Só no primeiro momento, se cumpre, em parte, o que diz a lei. Em pouco tempo, o valor da aposentadoria se distancia, deixando o antigo trabalhador e contribuinte às margens do valor real do salário recebido, quando na ativa. O documento, dito de proteção ao idoso e, por consequência, ao aposentado, serve bem como chave, junto aos olhos de potentados estrangeiros, com a qual se abrem portas a galardões de justiça social para o governo, mas para velhos e aposentados, em território nacional, está muito longe de lhes ser proteção.

A Previdência Social é o limbo onde são alocados os aposentados brasileiros. Segundo o dicionário Houaiss, limbo é a “morada das almas que, não tendo cometido pecado mortal, estão afastadas da presença de Deus, por não haverem sido remidas do pecado original pelo batismo”. Mas em outra acepção do mesmo dicionário limbo é “depósito de coisas inúteis”, significado bem próximo do que velhos aposentados são para a Previdência Social. Coisa inútil não é afetada por nada; logo não sou afetado pela crise.

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