Refugo para os de casa, joia para o vizinho

17 de Dezembro de 2015
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Nesta semana, Cachoeira do Campo teve inaugurado novo estabelecimento comercial, grande investimento a apontar maiores possibilidades de futuros empreendimentos nesta microrregião, que desponta como polo de desenvolvimento. Interessante observar que diferente das duas concessionárias de montadoras de veículos, instaladas ao lado, o novo empreendimento representa visão comercial de dentro da própria microrregião, pois sua matriz tem endereço no vizinho município de Itabirito. Não que a iniciativa tenha sido atraída pelos belos olhos da localidade, que se sabe pobre economicamente, portanto, incapaz de despertar, por si só, a atenção de investidores. O positivo determinante na escolha da localidade é a Rodovia dos Inconfidentes que, aliada ao fato de o distrito ser o centro geográfico do município de Ouro Preto, faz de Cachoeira do Campo ponto estratégico, por onde passam alguns milhares de pessoas por dia.

Isso é inversão do que sucedeu aqui, em fins do século dezenove. Cachoeira do Campo, até então, era centro produtor rural e, ao mesmo tempo, importante polo do transporte de mercadorias, por meio das tropas de burros que, a partir daqui, alcançavam pelo menos três dos estados vizinhos. Artefatos e artesanato, carnes, produtos agrícolas e o que mais se produzisse, na região, eram transportados pelos tropeiros e suas tropas, desde a era colonial. Em torno da atividade tropeira e a lhe dar suporte, florescia aqui a que se poderia chamar precursora da indústria do couro: a partir do couro cru ou curtido, artesãos produziam todos os artigos e acessórios demandados pela montaria e pelas tropas de carga.

Isso foi alterado no finalzinho do segundo Império com a inauguração da ferrovia, que ligava Ouro Preto à corte no Rio de Janeiro. Foi o princípio do declínio da atividade tropeira, passando, então, os trilhos a se constituir em eixo do desenvolvimento econômico.

Para aumentar a desdita dos cachoeirenses, a ferrovia ficou longe do núcleo urbano do distrito, atravessando pequena faixa, em sua extremidade sul, onde se localizava a estação Dom Bosco. O governo mineiro, nos primeiros anos da República, prometeu por meio de Lei trazer um ramal desde a estação Dom Bosco até o núcleo urbano, mas, para variar, ficou só na promessa. Ainda assim, a economia local reagiu, acompanhando as novas tendências. A transformação de couro de forma individualizada foi, gradativamente, sendo abandonada por muitos do ofício, o que talvez tenha chamado a atenção de empreendedor que, aproveitando profissionais restantes em torno do couro, montou pequena indústria de calçados e artigos para tropa e montaria. Cachoeira do Campo, que até então vivia à luz do lampião e lamparina, precisou de energia para mover as máquinas da indústria projetada. Constituiu-se, então, a empresa local geradora de eletricidade.

Algumas gerações se sucederam com base na nova economia, um misto de agricultura familiar, a pequena indústria de calçados e diversas oficinas do mesmo ramo, de consertos, mas que também fabricavam. Finalmente, a expansão industrial, implantação da indústria automobilística e formação de grandes conglomerados econômicos mataram, de vez, a economia local, assim como a de muitas outras pequenas cidades brasileiras. Cachoeira do Campo passou pela estagnação, por algum tempo e, se a chegada da ferrovia reduziu negócios com o couro, a rodovia, já federalizada, trouxe novo alento, ao estimular o desenvolvimento do comércio que, nesta fase, ainda muito necessita de aprimoramento na relação com o consumidor, sobretudo mediante funcionários bem treinados.

É verdade que, como em outros pontos do país, muitos tenham que se deslocar para o trabalho em outras localidades, mas não se pode dizer que aqui não há vida econômica própria. Observa-se, entretanto, uma curiosidade na procedência das iniciativas externas, das quais pouca ou nenhuma vinda do distrito sede-municipal, onde ainda prevalece o ranço preconceituoso contra o que se situa fora dos muros (roça) da chamada cidade. Exemplo mais recente e destacado configura-se na expansão de grande supermercado, que abriu loja em outros dois municípios diferentes, gerando empregos e receita para estes, quando uma daquelas poderia ter sido instalada em Cachoeira do Campo. Felizmente, o que os de casa desdenham, considerando inservível, pode ser o grande negócio para o vizinho que, dotado de maior visão comercial, avalia fatores de natureza mais profunda, desconsiderando detalhes superficiais. É assim que, de Itabirito, muitas iniciativas têm aqui se firmado e outro tanto aguarda a sua oportunidade, enquanto empreendedores do distrito sede-municipal nos colocam no último lugar das suas opções. Sob a nova perspectiva econômica, Cachoeira do Campo avança no século vinte um, embora a necessitar de muito aprimoramento no trato com o consumidor, figura mais importante do processo comercial.

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