Reminiscências do Dom Bosco VIII

06 de Julho de 2011
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Nos pátios de recreio, o Colégio Dom Bosco oferecia esportes diversos como, vôlei, basquete, espiribol, pingue-pongue, e, à parte, como não podia deixar de ser no país das chuteiras, havia seis campos de futebol. Ao contrário do recomendado por muitos, o futebol era praticado imediatamente após almoço e, nas tardes mais longas, também após jantar. Devido a essa prática constante, o colégio sempre contava com equipes bem preparadas, prontas para enfrentar adversários de categoria. Não raras vezes, o colégio recebia visitantes para enfrentar a equipe interna. Mas havia curiosidade interessante.

Os padres não permitiam o uso de calções curtos e colados à pele, como era usual à época. A garotada de pernas de fora, nem pensar! Os calções, folgados, chegavam quase à altura do joelho. E as equipes visitantes tinham que se sujeitar a essa norma, vestindo os calções oferecidos pela casa, pois, caso contrário, a partida não se realizava. E várias vezes isso aconteceu, pois, se de um lado os padres não transigiam, do outro não havia submissão. Engraçado é que, hoje, os calções usados, nos estádios, são praticamente das mesmas dimensões obrigatórias no Colégio Dom Bosco! Em determinada época, passou pelo “Dom Bosco” aluno com talento formidável para o desenho. Ele se sentava à beira do campo e desenhava, na hora, os lances mais importantes da partida. Terminada a peleja no campo, a atração seguinte eram seus desenhos, expostos com destaque, em quadro próprio, no pátio interno.

Algumas diferenças culturais pontuavam entre o grupo local, semi-interno, e os internos. O grupo de Cachoeira, fortemente rural, aceitava a alimentação simples com facilidade, ao contrário de muitos internos, filhos de famílias abastadas, residentes em apartamentos e acostumados a pratos mais sofisticados. Para agravar ainda mais a insatisfação e impedindo a adaptação, muitos desses pais, em visitas regulares, traziam guloseimas de toda ordem para seus mimados pimpolhos. Outras diferenças provocavam reações cômicas. Coitado do professor, em classe, se à vista dos alunos passasse um carro de bois, meio de transporte de carga muito usual, entre nós, àquela época! A disciplina era mandada às favas com, praticamente, toda a classe a se levantar e se aproximar da janela para ver aquela novidade. Enquanto o veículo não se distanciasse ou saísse do campo de visão, ninguém retornava aos seus lugares, ficando o professor a falar para as paredes, se insistisse no prosseguimento da aula.

Entre os cachoeirenses, o fascínio vinha pelo ar, quando um ou outro pai, piloto, visitava o filho, ou filhos, em sua máquina voadora. Fazia voos rasantes, lançava pacotes destinados ao filho e, em seguida, punha-se a fazer acrobacias com seu teco-teco, verdadeiro espetáculo para adolescentes cuja imaginação não tinha limites. A grande maioria dos locais, acostumada ao barulho vindo do alto e à célere silhueta deles entre nuvens, nunca tinha visto um avião no chão. Ninguém se vexava de voltar os olhos para cima, movimentar a cabeça na direção do voo, ou deixar escapar grande ooohhh!!! diante das manobras audaciosas da máquina voadora. Agora, babar diante de um carro de bois... para nós era o fim da picada! Depois de tantos anos, isso nos faz lembrar de político atual, que nunca tinha visto uma vaca!

No recreio pós-almoço, nós, semi-internos, nos sentíamos mais livres, aparentemente, fora do alcance de olhos censuradores. Despreocupados, saíamos do pátio, alcançando pontos que não faziam parte dos objetivos de nossa estada na casa. A forte atração eram as frutas! Um dos caminhos era ao lado da cozinha, separada do restante da área por pequeno pátio cercado por tela. De lá de dentro vinha o rap-rap da limpeza das panelas, misturado com ave-marias do terço, rezado durante o trabalho, para que nenhuma das trabalhadoras caísse em tentação. Certa vez, um dos alunos voltava com os bolsos cheios de jabuticabas, quando viu uma garota junto à tela, no pátio da cozinha. Ele se aproximou, não acreditando muito que ela esperasse, mas ela o aguardou e aceitou as jabuticabas oferecidas. No dia seguinte, à mesma hora, lá estavam os dois, novamente. No terceiro dia, o aluno esperou, mas a garota não apareceu; e no quarto dia, também. Na semana seguinte muro de dois metros de altura foi erguido no lugar da tela!

Professores também aprontavam, de vez em quando. Muitos deles não passavam de estudantes, em outro patamar, é claro, mas não deixavam de ser. Recém-formados em Filosofia, aguardavam tempo para a volta ao seminário, quando então fariam o curso de Teologia. Só depois disso podiam se tornar padres. Certo dia, estava eu a perambular junto às fundações de outra capela, a ser construída junto ao prédio, na lateral vista porque quem chega ao pátio fronteiriço. Essa construção não passou das imensas valas abertas para se lançar o alicerce, assim como tantas obras públicas em território tupiniquim! De repente, ouvi forte estampido, enquanto sentia algo a zunir próximo à minha cabeça. Em seguida, ouvi um grito de desespero. Na primeira janela do segundo pavimento estava meu professor de desenho, clérigo Geraldo Serpa, que acabava de disparar com velho mosquetão contra o poste junto ao qual eu me encontrava. O mosquetão teria sido deixado no Colégio Dom Bosco, quando se encerraram as atividades do Tiro de Guerra, que ali funcionou nos primeiros anos do estabelecimento.

Comments powered by Disqus

Newsletter

Acompanhe-nos

Encontre-nos no Facebook