Telefonia travada pela marca

11 de Abril de 2012
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Outra questão à margem da rota, aberta pela série “Coisas de ontem... e de hoje”, nos força a mais um desvio. Poderia seguir em frente, mas em se tratando de falha que se sabe estar a atingir muita gente e, não sendo este escriba integrante da tribo dos “deixa pra lá”, deixemos, temporariamente, aqueles registros da história popular local, para cuidar do prioritário. O quotidiano requer mais atenção e a vigília junto aos serviços públicos não pode ser descuidada, neste país, em que a grande maioria não tem consciência dos direitos de cidadania e outro tanto se omite por comodismo, ou por pura preguiça.

Houve tempo, e não muito longe da marca atual, em que o telefone era coisa de rico, instalado em ponto nobre da residência, usado com rito e parcimônia, mormente à vista de pobre mortais e excluídos da lista de seus possuidores. Candidatos e pretensiosos a tê-lo tinham de desembolsar boa soma no mercado paralelo, no qual muitos fizeram fortuna, até que conquistas tecnológicas abriram espaço para a multiplicação das linhas, derrubando, então, privilégios e oportunidades de negociatas, cá no primeiro andar. Da escassez absoluta de linhas passou-se à fartura, avolumada ainda mais com a migração de muitos assinantes para o celular, cujo número em uso no país não demora chegar à proporção de dois aparelhos para cada habitante.

De repente, o que, aos de pequenas posses era quase impossível adquirir, desceu ao nível das bugigangas amplamente anunciadas por camelôs, onde estes ainda pululam nas ruas a infernizar a vida dos passantes. Em lugar das ruas, as próprias linhas telefônicas são o meio pelo qual os modernos camelôs, rapazes e moças para isso treinados, vendem, ou tentam vender produtos e serviços, entre os quais assinaturas de linhas telefônicas disponibilizadas pelas empresas operadoras do sistema. O linguajar rude dos vendedores de rua, comerciantes formados pelas necessidades de sobrevivência e estabelecidos na marginalidade, ou da informalidade, em decorrência da burocracia oficial massacrante, foi substituído por outro, parecido fino aos incultos, porém não mais que um tumor gramatical a corroer o Português falado em terras tupiniquins. Além do folclórico “quem qui tá falano?”, ouvido por quem atende ao chamado em lugar da identificação de quem chama, como recomendam as normas de boa educação, o telemarketing azucrina o mercado consumidor com ligações a qualquer momento, mesmo fora do horário comercial. A vítima interrompe atividades, entre as quais o lazer, o bate-papo com a família ou com amigos, para ouvir as cantilenas decoradas a partir da fala norte-americana, pobremente traduzidas para o linguajar tupiniquim: para sua informação, esta conversa vai estar sendo gravada.

Infelizmente, a praga do gerundismo saiu do ambiente do telemarketing e se alastra nas reuniões, nos bate-papos, nos comunicados verbais e mesmo escritos. E o humor, por meio do cronista Roberto Freire, explora bem o filão: “Nós temos que estar nos unindo para estar mostrando a nossos interlocutores que, sim, pode estar existindo uma maneira de estar aprendendo a estar parando de estar falando desse jeito. Até porque, caso contrário, todos nós vamos estar sendo obrigados a estar emigrando para algum lugar onde não vão estar nos obrigando a estar ouvindo frases assim o dia inteirinho. Sinceramente: nossa paciência está ficando a ponto de estar estourando.” (Ricardo Freire, in “Xongas”, de O Estado de S. Paulo; 16-02-2001).

Bem, deixemos o gerundismo, abordado oportunisticamente, e voltemos ao telemarketing em si. Em intervalos em que o sistema não estava mudo, fenômeno a se repetir quase diariamente, nos últimos dois meses, telefone acusou chamadas oriundas de um mesmo aparelho fixo, sem que se completassem as ligações. Durante cinco dias seguidos, as chamadas infrutíferas se repetiram até que, no sexto dia, a comunicação se estabeleceu e... surpresa: o interlocutor era operador de telemarketing da Telemar (Oi, para os íntimos) com a campanha em torno do pacote de telefone e internet banda larga, que os meios de comunicação estão a veicular. Deu para ouvir que se tratava da campanha, mas, o profissional não chegou a passar seu recado, pois, além de comprometida por muitos ruídos estranhos, a ligação caiu tão logo ele iniciou a argumentação pró venda do pacote.

Mas, ó santa incoerência! Como vender o serviço de telefonia, se o sistema apresenta “apagões” quase diários, e, a própria operadora, por seguidas vezes, não consegue estabelecer conexão e, quando consegue, esta não se segura? “Vantagens oferecidas como chamariz na campanha faz lembrar ditos populares “quando a esmola é muita até o santo desconfia”, “laranja madura à beira da estrada, tá bichada, ou tem marimbondo no pé”. Melhor seria investimentos na melhoria do sistema, na correção de suas falhas antes de empurrar o serviços goela abaixo do consumidor ingênuo.

Mas que esperar de operadora que adota uma expressão para freio de boi como marca?

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