Coisas de ontem... e de hoje VI

03 de Abril de 2012
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

– Não há dúvida de que, na infância e juventude, vivemos uma era de poucos recursos pessoais, porém recheada de hábitos e costumes que lá ficaram, num universo que se revela, hoje, rico de lembranças e, ao mesmo tempo, fonte de informações para os que planejam o futuro. Falamos em grandes boiadas, vistas a transitar por estas ruas e, no entanto, há pessoas que nunca viram um boi fora das telas da TV – comenta Tatão – Ao contrário de hoje, pouco tínhamos, mas sentir e viver a vida de acordo com os mais caros valores humanos e mais integrados com a natureza foi experiência que nos torna privilegiados num mundo povoado de artificialismos, que embotam a sensibilidade. Vimos o mundo em transformação, ora para melhor, ora para pior, mas o que assimilamos desde o berço, passando pela escola primária e pelas primeiras experiências no convívio social, ninguém nos tira, depois de termos cumprido a vida de trabalhador, cada um em sua especialidade.

O grupo permanece emudecido, preso às palavras do Tatão, gesto que confirma sentimento comum a todos em relação à vida. Os olhos transmitem essa certeza. Na oportunidade de breve pausa de Tatão, a primeira manifestação vem da Dolores:
– Você tem razão, Tatão. Como se observou ainda há pouco, comodidades modernas têm facilitado o cumprimento de tarefas, têm nos aproximado da informação, mas houve uma quebra na qualidade do relacionamento humano. Contudo, isso não nos afeta. Estamos em idade provecta e de bem com a vida; uns com família criada e educada; outros solteiros, por opção, mas todos sem qualquer pendência junto à sociedade. Se assim não nos sentíssemos, não estaríamos reunidos neste salutar bate-papo.
– De volta à participação dos animais em nossas vidas, quero lembrar que não eram somente bois. E as tropas – os tropeiros? – indaga Lazinha, acrescentando: – Elas foram muito importantes, pois por meio delas circulavam as mercadorias e se movimentava a economia.
Chiquinha aparteia: – O Brasil do interior, Minas principalmente, andou primeiro sobre lombo de burro e em cima dele começou a crescer. Mas, o que conhecemos das tropas e dos tropeiros foram os últimos suspiros da atividade, quando surgiram os primeiros caminhões em estradas de terra a competir com a estrada de ferro.
– Você observou bem – diz Quinzão – As maiores tropas, que ainda vimos, eram constituídas de dezenas de animais, depois das centenas que foram no período anterior ao transporte mecanizado por ferrovia. Elas faziam a ligação entre os centros de produção e os pontos de distribuição, ou ainda entre estes últimos.
– Ao contrário das boiadas – volta Lazinha – tumultuadas, verdadeiros tufões a revolver tudo por onde passavam, as tropas eram tranquilas, bem organizadas. De longe, ouviam-se os cincerros, ostentados ao pescoço pela mula madrinha, que puxava a fila. Bastante enfeitada com fitas multicoloridas ela era o limite à frente dos animais. À sua frente, somente o tropeiro madrinheiro. Não sei bem, mas, parece-me que cada tropeiro exercia função bem definida. Além do madrinheiro, havia o capataz e o cozinheiro.
– Epa, esse era o mais importante – ataca Manelão – dele dependia o preparo do rango. E foi ele que nos legou o afamado “feijão tropeiro”, delícia da mesa mineira.
– É, Manelão, você tinha que destacar a comida! Mas, voltando à questão das tropas em si, era muito agradável ver o desfile da tropa; isso mesmo, desfile é o termo apropriado, devido à organização, o passo cadenciado dos animais, em fila indiana. Se ao passar das boiadas nos trancávamos em casa, ao passar das tropas corríamos à porta e ali ficávamos a apreciar o espetáculo. Os tropeiros, uns montados, outros a pé, faziam questão de cumprimentar, numa reverência, ao mesmo tempo em que tiravam o chapéu. Quanto à sujeira deixada, também coletada para aplicação nas hortas, igualava-se à das boiadas.
– Talvez vocês não saibam – é o Quinzão novamente – mas, Cachoeira foi, anteriormente, importante polo de tropas e tropeiros. Como freguesia (distrito) do município de Ouro Preto e a mais próxima da então capital da província, tropeiros e suas respectivas tropas daqui partiam para centros maiores como a corte (Rio de Janeiro) pontos afastados da província de Minas e das províncias vizinhas como São Paulo e Bahia. À mesma época, para dar suporte a essa atividade, floresceu em Cachoeira a manufatura de todos os apetrechos ligados aos animais de montaria e de carga: sela, arreio, rédea, cabresto, laço, chicote, tala, rabicho, barrigueira, enxerga e outros cujos nomes não me lembro. Os artífices dessa área eram conhecidos como seleiros e chicoteiros. Como a maioria desses objetos depende de algo metálico, muitas ferrarias fabricavam argolas, fivelas e outras peças, além das imprescindíveis ferraduras.
– Vejam que interessante – intervém Tatão – nossa geração assistiu à passagem das últimas tropas, mas anteriormente outras localidades assistiram à passagem das últimas tropas, daqui partidas e conduzidas por nossos avós.

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