Tirania de minorias

05 de Dezembro de 2011
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Armam-se quiproquós, em São Paulo e em Belo Horizonte, em torno de dois assuntos diferentes, ambos relacionados aos direitos de cada cidadão. Confessando-se incompetente para garantir a segurança pública diante do avanço da criminalidade com várias faces, entre as quais assaltos e homicídios, praticados de cima de motocicletas, o governo paulista está à beira de tornar lei projeto já aprovado pela Assembleia Legislativa. É a proibição da garupa nas motocicletas, que volta à carga, desta vez, em cidades com população a partir de um milhão de habitantes. Perde o cidadão honesto, trabalhador, uma vez mais contra a bandidagem, atrevida e fortificada à sombra de leis e dispositivos francamente desfavoráveis aos princípios da cidadania, neste caso especificamente, ao direito de ir e vir.

Em razão do perigo que oferece, rejeito a motocicleta como veículo e desaconselho sua aquisição, se consultado. Entretanto, há que respeitar o direito de tê-lo e usá-lo, em sua plenitude, desde que respeitado o Código de Trânsito Brasileiro-CTB. Perigoso, sim, por suas condições desfavoráveis e em mãos imperitas, mas não perde sua utilidade como meio de transporte. E se meia dúzia faz dele mau uso, que o braço do Estado a alcance e puna, de acordo com a lei. A totalidade dos cidadãos não deve pagar pelos erros de meia dúzia!

Cá, em Belo Horizonte, acirram-se discussões em torno de projeto de lei que pretende coibir com mais rigidez a poluição sonora noturna, gerada a partir de bares e similares, em número tão grande que sugere à cidade o nada honroso título de capital dos botecos. Quem é ou está no ramo se sente prejudicado, porque as exigências poderão redundar em perdas no negócio. E é aí que mora a incompreensão, pois não se pretende o fechamento desses estabelecimentos, cujo faturamento se destaca à noite, quando a grande maioria da população dorme. A verdade é que boa parte desses empresários não quer perder a mamata da calçada, tornada extensão do estabelecimento, em apropriação indébita feita ao direito de o pedestre por ali transitar. Do lado oposto, quer-se apenas que eles funcionem de forma a não prejudicar o sono dos que querem e precisam dormir, em hora para tal. Para que isso aconteça, o movimento tem que se restringir ao interior do estabelecimento, devidamente dotado de revestimento acústico, evitando-se assim que o som ali produzido não reverbere para a vizinhança.

– Ah! mas, assim eu vou à falência – argumentam alguns. Ora, se não tem condições de respeitar o direito alheio, que mude de ramo. Ditado antigo e grosso, também mal educado, precisa ser lembrado para que prevaleçam os direitos da maioria: “quem não tem bunda não se senta!”

Diferentemente de outros países, onde a civilização se aprimora com base na harmonia entre o direito coletivo e os direitos individuais, aqui estamos diante de paradoxo: a cada passo dado, para o que seria civilização ideal, mais se aproxima da selvageria com predominância da indisciplina, imposição da vontade de minorias e violência. Há sempre uma minoria a se impor ou a ostentar pretensões a isso. E, dentro da maioria confusa desconhece-se, por exemplo, o direito de exigir o cumprimento da lei, também relegada a simples registro em papel (e ou em arquivos virtuais) sem que seja posta em prática pelas autoridades competentes.

Assim é que no concernente à produção de som excessivo, o Código de Trânsito Brasileiro-CTB é violado diuturnamente com o chamado som automotivo, sem que as autoridades movam uma palha para coibi-la. O CTB diz Art. 228 - Usar no veículo equipamento com som em volume ou frequência que não sejam autorizados pelo CONTRAN: Infração - grave; Penalidade - multa; Medida administrativa - retenção do veículo para regularização. Art. 229 - Usar indevidamente no veículo aparelho de alarme ou que produza sons e ruído que perturbem o sossego público, em desacordo com normas fixadas pelo CONTRAN: Infração - média; Penalidade - multa e apreensão do veículo; Medida administrativa - remoção do veículo. E, no país dos paradoxos e incoerências veem-se o CONTRAN, DENATRAN, detrans e “outrostrans” permitir, aceitar, tolerar (talvez, até autorizar) a instalação de tais parafernálias, quando se saber não haver necessidade de aparelho, além do rádio e/ou toca CD, para uso de quem está dentro no veículo. Os abusos chegam ao absurdo da instalação de alarmes (Art. 229) próprios das viaturas policiais e ambulâncias.

O que é preciso para que se faça cumprir a lei? Tamo na mão de calango!

nbatista@uai.com.br

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