Tortura psicológica coletiva III

28 de Julho de 2017
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Como se pôde ver, quem leu o texto anterior, estrada de ferro (era assim que o povo chamava ferrovia antigamente) foi, durante muitos anos, ideia fixa dos cachoeirenses, privados daquele benefício, embora a tivesse dentro de seu território, e também iludidos com mentira oficial do governo mineiro, que decretou a implantação de um ramal a ligar a antiga E.F.C. B (Estrada Férrea Central do Brasil) ao núcleo urbano de Cachoeira do Campo, mas não cumpriu. Uma das últimas vezes em que essa ânsia popular se manifestou foi em 1952, quando alguns homens estranhos, munidos de aparelhos (teodolitos), rondaram a região hoje conhecida como Vila do Cruzeiro e seguiram na direção do antigo Colégio Dom Bosco, atravessando suas terras e, daí em diante, rumo a Ouro Preto.

Àquela época, comunicação de massa era mal e mal a radiofônica, por meio de receptor, ainda verdadeiro trambolho, entronizado em local, atualmente ocupado pelo televisor. E não era todo mundo que podia tê-lo, pois era caro. Por isso, a verdadeira razão para aquele pessoal técnico ter passado por aqui, só foi conhecida quando começaram a execução do serviço no local: assentamento de torres de madeira para a primeira linha de transmissão da recém-criada CEMIG, que levaria energia aos fornos da fábrica de alumínio, em Saramenha. Mais uma vez não era a estrada de ferro que chegava. A essa altura, estava quase concluída a estrada, futura Rodovia dos Inconfidentes, mas a população local ainda pensava era na estrada de ferro!

Mas, voltando à chegada da estrada de ferro a estas paragens, imagine-se a sucessão de acontecimentos infaustos aos interesses de Cachoeira do Campo, a partir da inauguração da ferrovia. Com a ferrovia, teve início o declínio das atividades dos tropeiros e respectivas tropas, um dos fortes pilares da economia local, muito embora os trilhos passassem bem distante do núcleo urbano, fator que dificultou também aos eventuais viajantes locais. Pouco mais de um ano depois, ouve a proclamação da República que, diretamente, pode não ter sido tão nefasto, mas algumas consequências da mudança de regime o foram. Lembremo-nos que, pouco mais de um ano antes, o imperador esteve em Cachoeira e, durante essa estada, ele criou a colônia agrícola, no antigo quartel da cavalaria, onde já existia uma coudelaria. No novo regime, a colônia, praticamente, ficou entregue às moscas, trocando apenas o nome, obviamente, de um prócer republicano. Em parte, salvou-se a ideia, com a chegada dos salesianos e a instalação das Escolas Dom Bosco. Não fosse o tropeço republicano, talvez a primitiva colônia agrícola evoluísse para uma escola do gênero no nível superior.

Enquanto isso, logo em seguida à proclamação da República, o processo de transferência da capital mineira, de Ouro Preto para Belo Horizonte, foi início do golpe covarde e desumano, perpetrado pelos republicanos contra uma economia totalmente dependente da máquina e dos negócios de governo. Não se entendam estas críticas como posição contrária à transferência da capital para outra localidade. A transferência era necessária, por várias razões. Questiona-se a forma como foi feita, sem qualquer preparo da cidade e sua população, para viver e se desenvolver de forma autônoma como qualquer outra localidade. Em nenhum momento, os políticos pensaram na miséria a que seria entregue a população ouro-pretana com o êxodo da estrutura de governo e de todos os negócios a girar à sua volta. Embora com muito sacrifício, sofrimento e lágrimas, o abandono da cidade teve como bom resultado, a preservação de suas características. Não fosse isso, Ouro Preto tal como se conhece, atualmente, não mais existiria!

Por ter, aquela época, uma economia autossustentável, Cachoeira do Campo livrou-se, em parte, das consequências da mudança da capital, mas quem tinha negócios ligados a outros estabelecidos, na sede municipal, amargou sérios prejuízos. Quanto à atividade tropeira, esta entrou em processo de decadência, incapaz de competir com um comboio ferroviário que, talvez, transportasse numa viagem o que todas as tropas cachoeirenses transportariam num ano. Encerrava-se assim, desoladamente, para Cachoeira, o século XIX, cujo início trouxera tantas esperanças com a transferência da corte portuguesa para o Brasil. Quando entrou o século XX, Cachoeira do Campo, que já havia perdido status de principal freguesia (assim se chamava um distrito) da capital, ficou mais isolada de tudo. O eixo do desenvolvimento se deslocou para as margens da ferrovia, fomentando empreendimentos e o surgimento de novas localidades. Foi o caso do distrito de Miguel Burnier, criado a partir da instalação de uma siderúrgica e do desmembramento do território de Cachoeira do Campo. Além de tudo, Cachoeira do Campo perdeu a maior de seu território para formar os distritos de Santo Antônio do Leite, Engenheiro Corrêa e Miguel Burnier.

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