Tortura psicológica coletiva IV

04 de Agosto de 2017
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Perdido o status de distrito do município capital do estado e a sentir os primeiros efeitos negativos na sua economia, trazidos pela estrada de ferro que, além disso, deixou de beneficiar a localidade com o transporte de passageiros, Cachoeira do Campo passou a se arrastar, enquanto o tempo avançava no século XX. Contudo, não deixava de pensar na ferrovia, tão distante, mas que poderia ter-se aproximado por meio ramal, prometido à chegada dos salesianos, mas não construído pelo governo.

A coincidir com os primeiros anos do século XX e com tantas novidades desinteressantes aos cachoeirenses, teve início o êxodo de suas forças construtivas, fenômeno que persiste até hoje, quando pessoas se deslocam para outros pontos em busca de trabalho. Até então, os cachoeirenses, de tradição rural em sua maioria, e, os mais habilidosos como incursionistas na área do artesanato em couro, fincavam raízes junto ao berço, sem acalentar qualquer desejo de aventura longe de seu círculo familiar que, então, ultrapassava os limites determinados pelos laços de sangue.

A instalação de uma usina de fundição de ferro em Miguel Burnier, ainda denominado São Julião, foi a causa das primeiras emigrações, ainda que dentro do próprio município, em busca do trabalho dentro de uma indústria. Saíram de Cachoeira alguns dos seus primeiros operários e também funcionários administrativos. Dali por diante, a tendência de desenvolvimento se deslocou para junto da ferrovia, contemplando pequenas localidades, enquanto Cachoeira entrava em estagnação, só não tendo piorada sua situação graças à fabricação dos artefatos de couro, que continuou, e às atividades agropastoris impulsiondas pelas Escolas Dom Bosco, cujo ensino, nos primórdios, contemplava aquele setor. É oportuno dizer que as Escolas Dom Bosco em muito contribuíram também para a cultura local, mediante interação com a comunidade, na realização de eventos de naturezas de diversas, certames, espetáculos teatrais, etc. Como exemplo dessa influência benéfica cite-se o cinema, que a comunidade local pôde conhecer graças à interação com os salesianos. Ao fim, pode-se dizer que as Escolas Dom Bosco foram as duas janelas, abertas por Deus, em lugar da porta fechada a Cachoeira do Campo, na transição dos séculos. Confirma-se, mediante fatos, o dito popular!

Na nova e mais difícil situação, os cachoeirenses deram continuidade às suas vidas por cerca de três décadas, quando um melhoramento se inaugurou para lhes abrir novas perspectivas quanto à mobilidade para outras localidades. Os primeiros automóveis já circulavam na região, o que forçou a abertura de uma estrada do gênero. Era um estreito e sinuoso caminho carroçável, que se desviava até de uma árvore mais robusta (ambientalistas radicais bateriam palmas), que saia de Ouro Preto por Saramenha, perseguia os trilhos da ferrovia até o Trino, onde se erguia a antiga estação Hargreaves, posteriormente rebatizada Dom Bosco, daí se desviando em direção a Cachoeira do Campo. Esse trecho ainda existe e, dentro de Cachoeira, é rua asfaltada a ligar à UPA que não é UPA. Pela Rua Dom Bosco ela atravessava a Praça Coronel Ramos, onde hoje existe um prédio de apartamentos e, a margear o Maracujá (trecho parcialmente reaberto pela prefeitura), seguia até a Rua Nova de onde descia para Belo Horizonte. De Itabirito até Belo Horizonte, ela, novamente, acompanhava a estrada de ferro, passando por Rio Acima e Nova Lima, as duas cidades ainda ligadas pela mesma estrada, hoje um pouco melhor que a original.

Este escriba não tem informação sobre o tempo gasto entre Ouro Preto e Belo Horizonte, por aquela estrada. Entretanto, em 1947, fez o percurso entre Cachoeira e Nova Lima, em cinco horas, num veículo já denominado ônibus, ainda que pouco diferente das primeiras jardineiras. Quem ia à capital (era como se dizia) por aquele meio e quisesse retornar pelo mesmo, gastava na viagem seis dias, porque o ônibus saia de Mariana, na segunda-feira, e só retornava no sábado. Havia também que ter disposição para enfrentar os saltos do veículo nos buracos, que não eram poucos, estômago forte para tolerar o horrível cheiro da gasolina, dinheiro para hotel ou pensão, ou ainda um parente simpático e acolhedor, no destino da viagem; tudo isso necessário, se não quisesse ir a pé até a estação Dom Bosco, para embarque no trem, não se esquecendo de que, no retorno, os mesmos quatorze quilômetros deveriam ser percorridos, da estação até Cachoeira. De qualquer forma, era mesmo uma aventura!

Comments powered by Disqus

Newsletter

Acompanhe-nos

Encontre-nos no Facebook