Tragédia humana I

17 de Dezembro de 2015
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Independente do que teria sido sua causa, o rompimento das barragens de rejeitos de mineração, no interior do município de Mariana, foi, é, e continuará sendo uma das mais graves tragédias humanas na região, mesmo que não tivesse causado perda de vidas humanas, fato que mais infelicita os colhidos por momentos como este.

Aos que escaparam à morte, mais que as perdas materiais, pesa a ausência dos que se foram e a angústia por terem sido desalojados de suas casas, interrompendo o curso normal de suas vidas, programadas, uma a uma, de acordo com as posses, conveniências e perspectivas. Essa é a marca que fica, na memória de cada um, ainda que soluções satisfatórias sejam dadas a cada vazio provocado pelo súbito, indesejado e involuntário deslocamento.

Poucas coisas oprimem mais o indivíduo que o desalojamento forçado, não importando as circunstâncias em que se dá o fato, mesmo se a mudança, eventualmente, o coloca em melhores condições. O ser humano, independente de sua condição social, escolhe como e onde viver e, com a habitação, cria um vínculo sentimental, cujo rompimento só se admite por iniciativa própria, sem qualquer pressão externa, especialmente no caso do idoso. Afetividade surgida entre ele e a habitação pode chegar aos mesmos níveis do relacionamento intrafamiliar. Em cada canto ele guarda suas lembranças; sejam elas de alegria ou de tristeza. As paredes foram suas confidentes nas horas de angústia, quando as intempéries da vida impediam seu avanço na busca do melhor para si e para sua família. O teto cobriu-o, protegendo-o do frio, do calor intenso e da chuva. Pelas janelas, entraram durante muito tempo a paisagem contígua, o colorida da folhagem, o perfume das flores e a brisa refrescante. Pela porta entraram os amigos, e saíram, para o túmulo, entes queridos. Cada detalhe do cantinho onde vive o indivíduo, a distribuição e posição dos móveis, seu local preferido nos momentos de reflexão, tudo tem para ele um valor, que extrapola o pecuniário, razão pela qual a angústia, dificilmente, cede lugar à plena satisfação.

Em se tratando de pequena comunidade, onde indivíduos vivem como se uma família fosse, tantos laços afetivos, interesses em comum, imagine-se o mesmo sentimento multiplicado em nível coletivo, cada qual guardar a sua história, entrelaçada com todas as demais da comunidade! Se, de repente, fator externo interfere na continuidade daquele estreitamento de relações, o indivíduo se sente perdido. No início, o tremendo vazio é compensado pela solidariedade, que brota espontaneamente, mas passado o clímax das emoções, socorristas voluntários já voltados ao quotidiano de suas vidas, a vítima continua a viver seu drama, sem que muita atenção lhe deem. Passado mais um pouco, já empenhado na luta pelos direitos, o que era desatenção pode converter-se em repúdio à vítima, agora considerada estorvo à vida dos demais.

É quando lhe batem a porta na cara, não o atendem pelo telefone, negam-lhe testemunho necessário em processos legais. Se na tragédia foi alvo da fúria dos elementos que a compunham, agora tem contra si a fúria do coração humano! E essa machuca mais! Infelizmente, não são conjecturas sem fundamento, mas a linha do tempo, com ligeiras variáveis, que se repete após todas as tragédias neste Brasil!

A mesma tragédia leva a outras considerações, a começar pelas primeiras notícias, que apontaram dezesseis mortos, quando ainda nenhum cadáver havia sido visto ou encontrado. Fontes afoitas e irresponsáveis passaram a informação, sem se preocupar com a angústia e sofrimento antecipado de pessoas que ouviriam o noticiário. Para tais fontes, sem cadáveres em grande número e muito sangue a jorrar nenhum infortúnio é tragédia!

A ignorância reinante com relação à divisão político-administrativa brasileira também produziu pérolas como esta de um apresentador de TV, a partir de São Paulo: “Bento Rodrigues é um distrito da cidade de Mariana. No interior de Minas Gerais é muito comum as cidades terem vários distritos”. Oh! santa ignorância! Antes deveriam consultar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, evitando propalar tanta besteira. Segundo o IBGE “municípios constituem as unidades de menor hierarquia dentro da organização político-administrativa do Brasil. A localidade onde está sediada a Prefeitura Municipal tem a categoria de cidade” e “distritos são unidades administrativas dos municípios. A localidade onde está sediada a autoridade distrital, excluído o distrito da sede municipal, tem a categoria de Vila”. Registre-se que Bento Rodrigues não é distrito, porém localidade (não existe subdistrito na classificação do IBGE) integrante do distrito de Santa Rita Durão/Mariana. Ó zé mané! distrito não pertence à cidade e não existe só no interior de Minas Gerais, mas em todo o Brasil!

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