Uma conversa triste

30 de Setembro de 2016
Valdete Braga

Valdete Braga

A questão do machismo, infelizmente, é uma realidade que enfrentamos no dia a dia. De qualquer forma é terrível, mas quando o machismo vem de mulheres fica mais triste ainda.

Em uma roda de amigas, todas mulheres, uma contou que a filha da prima havia sofrido abuso por parte de um vizinho e que a família, como não podia ser diferente, estava tomando as medidas cabíveis. Diante do assunto, uma das pessoas que participava da conversa fez dois comentários difíceis de acreditar. Logo no inicio da conversa, quando a prima falou que estavam processando o vizinho, ela comentou, com um espanto genuíno: “mas não foi estupro”. Foram esclarecidos os detalhes do abuso, que aqui não vêem ao caso, mas que são crime, e a conversa prosseguiu. Eu não conheço os envolvidos, mas no grupo algumas conhecem e davam suas opiniões. Após algum tempo, a mesma pessoa, novamente, de forma super natural, rebateu: “mas ela já tem dezoito anos”.

A conversa rendeu, a maioria tentando explicar que a questão não é a idade da moça e sim o crime em si (parece que o autor já é reincidente) mas acabamos chegando à conclusão de que não adiantava tentar explicar. Aquela jovem senhora (jovem sim, na casa dos cinquenta) simplesmente não entendia que se não houve um ato sexual “completo”, segundo suas palavras, não houve abuso, independente do que tenha acontecido. E ela não entendia também como crime pelo fato da moça ser maior de idade. “Ela já tem dezoito anos”. Que fossem trinta. Quarenta, sei lá. Nada justifica.

Obviamente, não só esta, como todas as acusações, de qualquer crime, devem ser investigadas de maneira séria. Não basta sair por aí acusando a torto e a direito, sem provas. É preciso muito cuidado e seriedade nas investigações e as autoridades competentes existem para isso. Mas o que dói é ver uma mulher da minha faixa etária, pessoa inteligente, gente boa, culta, achar que se não houve estupro “completo” não houve crime. E ainda tentar justificar pelo fato da moça ser maior de idade. Como assim? Então só é considerado abuso se houve o ato sexual? E se a vítima for maior de idade, está justificado?

O que mais me assustou foi a naturalidade com que ela falou. Ela realmente acredita que deva ser assim. Talvez pela educação recebida, talvez pela própria vida que leva. Quem sou eu para julgar, só fico triste. Nunca é tarde para revermos conceitos e mudarmos, mas infelizmente não senti nela essa predisposição. Trata-se de uma idéia já arraigada e insistir nos argumentos, por mais óbvios que eles sejam, seria perda de tempo e até arriscar-se a um desentendimento que, no final das contas, não levaria a nada.

Todas as pessoas do grupo entenderam isto. Até a parente da vítima, apesar do constrangimento. Foi um daqueles momentos da vida em que é melhor se calar e todas nos calamos. Não por covardia, mas por respeito a uma questão tão delicada e que não seria mudada na cabeça de uma amiga. No final da conversa ficou aquela sensação de impotência no ar. Voltei para casa sentindo uma grande tristeza por aquela senhora, junto à certeza, mais uma vez, e quantas forem necessárias, de que só a educação pode mudar o mundo.

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