Amigos sempre, sem cobranças

02 de Abril de 2015
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Ditadas pelo bem, muitas transformações, pelas quais passa o mundo, apontam crescente atenção aos animais domésticos, tendo na contramão uns poucos que insistem em maltratá-los, abandoná-los à própria sorte, sobretudo quando se tornam doentes. Não só mais pessoas adotam cães e gatos, os preferidos, como também se expande toda uma estrutura montada para eles. Assim é que cada vez mais profissionais se formam para cuidar de sua saúde e bem-estar, destacando-se os psicólogos animais, especialistas no comportamento do animal doméstico; são esses profissionais que investigam e analisam o que dificulta a relação do animal com seu dono, tornando-o arredio, deprimido, desobediente ou agressivo. O psicólogo chega quase a “pensar” como o animal assistido, na investigação e tratamento daquilo que o incomoda, dentro da casa e no relacionamento com os humanos. O voluntariado na defesa e cuidados com os animais domésticos, não só presta grande serviço diretamente aos seus protegidos, como também faz expandir o círculo de simpatizantes pela causa e amolece corações, antigos empedernidos na relação com animais domésticos. Paralelamente, cresce o número de clínicas para cães e gatos; por ocasião de viagens do dono, sendo difícil ou impossível ao animal acompanhá-lo, há hotéis onde o bichinho pode aguardar, em segurança e conforto, o retorno do seu dono; no comércio especializado lançam-se novidades todos os dias, até brinquedos para animais.

Bastante antiga, porém vista com muito preconceito por parte dos que têm o animal como algo à parte, a convivência humano-animal tende a se clarear, cada vez mais, em prol dos “pequenos amigos”. Essa convivência tem suas peculiaridades, divididas, primeiramente, é claro, nos grupos humano-canino e humano-felino, meio antagônicos, a refletir natural animosidade existente entre cães e gatos, que pode ser amenizada mediante sutil e cuidadosa intervenção humana. Há quem goste das duas espécies, igualmente, mas, grande parte dos que dão preferência ao cão gosta pouco ou nem um pouco do gato. Por ser mais submisso e despojado de vontade própria, o cão goza da preferência, graças ao instinto dominador da espécie humana. O gato, ao contrário, é mais independente, vai onde quer e responde ao dono, na mesma proporção do afeto recebido. Por viver do jeito que gosta, completamente livre, muitas vezes o gato é repudiado, odiado, pois representa tudo o que ser humano gostaria de ser, mas não é: livre, com direito a muito chamego quando adotado por quem o aprecia. Presa a convenções, preconceitos e outras injunções, a espécie humana tem inveja dos felinos, que não têm que responder com obediência e prestação de serviços, como fazem os cães.

Voltando ao novo quadro desenhado na relação entre animais domésticos e a espécie humana, pergunta-se o que estaria na origem dessa valorização, a ponto de influenciar na economia. Dir-se-ia que a sensibilidade humana teria subido um grau na afinidade com os pequenos animais domésticos, se outro fator, triste e ameaçador, sob observação mais profunda, não se mostrasse como nódoa na convivência entre os próprios humanos. A queda da confiabilidade dentro da própria espécie é que tem levado mais pessoas a lidar com animais, tendo-os como apoio nos momentos de insatisfação e desilusão com o semelhante, fenômenos cada vez mais presentes na relação com os mais próximos dentro de seu círculo.

Crescem cobiça e inveja, dissimuladas sob hipocrisia assustadora, só revelada em momento de eventual disputa, quando cai a máscara e a realidade que machuca se mostra. E essas fraquezas, agressoras e tendentes à desconstrução de imagens formadas com trabalho e ações pró-coletividade, não vêm de longe, porém daqueles mais próximos com os quais a convivência é estreita e de onde a sinceridade, por nós demonstrada, tem como resposta a falsidade. É quando se percebe, quão mais amigos são os pequenos de quatro patas, que não muito exigem e, às vezes, tão pouco recebem, além de não falarem à língua solta a respeito de nossos altos e baixos, sobre nossos pontos fracos ou sobre o que possuímos e não possuímos.

Eles não criam boatos, do nada, e os espalham como flocos de paina ao vento sobre a comunidade, a nos colocar sob suspeita; não nos acusam de algo nunca feito, para nos arruinar o prestígio conquistado sob a luz da verdade; não nos invejam em nada e nem cobiçam se algo temos. Num balanço rápido de nossos sentimentos em relação a uns e outros, constata-se saldo positivo no âmbito dos animais domésticos. Presunçosamente tido como criado à imagem de Deus, o Homem, no topo da escala animal, dotado da maior inteligência, é o de pior relacionamento dentro de sua espécie, o único que causa e vê a derrota de seu semelhante com prazer; o único que, sem motivo, elimina qualquer vida.

Comments powered by Disqus

Newsletter

Acompanhe-nos

Encontre-nos no Facebook