Hora da vontade própria

26 de Março de 2015
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

O mercado consumidor da região, especialmente no distrito sede do município de Ouro Preto, entra em ebulição com a chegada de mais uma das grandes redes de supermercado. É a segunda, em curto período de tempo, a fincar uma loja entre os picos do Itacolomi e de Itabirito, assanhando legião de consumidores, mais acostumada a frequentar pequenas mercearias e supermercados familiares locais, herdeiros das antigas vendas de balcão, armazéns, empórios, quando em lugar do cartão valia a caderneta, cujo acerto com o vendeiro se fazia ao fim de cada mês. Justifica-se a euforia pela novidade e por mais opção na hora de ir às compras.

Considerando a velocidade com que novidades, novas ideias e empreendimentos se expandem, até que demorou a decisão de vir se instalar por essas bandas, berço dos pioneiros entre pobres e potentados, formadores do próspero mercado de compra e venda de gêneros, em Minas Gerais. Diz-se ter demorado porque, há cerca de quarenta anos, já se falava do interesse de um desses gigantes se instalar em Ouro Preto. Contudo, por razões desconhecidas, o tradicional comércio local ainda continuou soberano por todo esse tempo, recorrendo o consumidor a Belo Horizonte, quando o produto procurado não era encontrado em casa.

Ainda bem que a iniciativa não se consumou, naquela época, pois, sabe-se do grande poder de domínio dessas redes ao qual sucumbe, facilmente, o pequeno comércio, se não bem estruturado e pronto para oferecer alternativas ao consumidor que, paradoxalmente, foge do bulício gerado pelos grandes e impessoais, privilegiando os pequenos, sua tranquilidade e contato pessoal. Há quarenta anos, o comércio local, completamente vulnerável, seria asfixiado; e o consumidor submetido aos preços e condições impostos pelo novo “dono” do mercado. Para o consumidor, hoje, mais esclarecido e exigente, protegido pelo Código de Defesa do Consumidor, é sempre bom ter mais opções, mas para o pequeno comerciante, não preparado, o perigo ainda persiste.

A integrar o grande e dinâmico público consumidor, no qual nenhum indivíduo se prende ao comércio localizado, cada qual conectado a todo o mundo pelos mais modernos meios de comunicação, grupo muito restrito guarda na memória o que eram os pontos de venda, onde o consumidor se abastecia dos gêneros de primeira necessidade e, um ou outro, de acordo com suas posses, punha as mãos em eventual supérfluo. Cereais, acondicionados em caixas de madeira, eram os primeiros à vista de quem se acercava do balcão, e o atendimento se processava pela ordem de chegada, nem sempre respeitada, porque espertos e espertinhos os há em qualquer tempo e lugar. Depois, havia que contar também o consumidor de destaque, que o vendeiro privilegiava com especial atenção, passando-o à frente do comum dos mortais, colocando-o a par das novidades, recebidas pelo estabelecimento, mas fora do alcance da vista dos menos aquinhoados. Gêneros de primeira necessidade, sempre vendidos a granel, eram acondicionados em sacos de papel e pesados, em balança mecânica, ou do tipo comparativo, fixada no balcão. Não havendo, até então, qualquer órgão fiscalizador do sistema de pesos e medidas, tal mecanismo de pesagem tinha eficiência e exatidão dependentes do grau de consciência do comerciante. Mercadorias, como banha de porco e manteiga, eram enroladas, primeiro em papel manteiga, recebendo sobre este um papel pardo, grosso e bem resistente. O corpo do boi (ou vaca) morto ainda não era loteado, como hoje, mas sua carne, classificada em “primeira” e “segunda”, podia ser encontrada, nesses estabelecimentos, retalhada, na hora, para o freguês, conforme a cara deste. O figurão saltava o balcão para escolher a que melhor lhe convinha; ao restante da ralé era empurrada a de “segunda”, de “terceira” e até sem classificação, ainda que tivesse dinheiro para comprar da mesma escolhida por aquele privilegiado.

No antigo sistema, o consumidor só tinha à vista o que não podia lhe faltar e, mais ou menos oculto, ficava o dispensável, a confirmar “o que os olhos não veem, o coração não sente, ou não deseja”, dito pela sabedoria antiga. O sistema caiu ao surgimento de novas ideias a contemplar de, um lado, desejos latentes do consumidor e, do outro, necessidades que o vendedor tem e pretende casá-las com os anseios do consumidor. E é aí que o antigo comprador de balcão, freguês de caderneta, teve de percorrer corredores, formados por mercadorias nem tão necessárias, para ir aos fundos em busca do arroz com feijão. O que antes ele não via, agora vê e se sente compelido a consumir, criando necessidades, que antes não sentia. A partir dessas necessidades menores satisfeitas, embrenha-se no consumismo, puro e simples, engolidor de orçamentos e criador da inadimplência. É o custo pago pelos não preparados para resistir às tentações do marketing que tenta ”fazer a cabeça” do consumidor.

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