Semana Maior sob a poeira do tempo

08 de Abril de 2015
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Sob o aspecto religioso, sobretudo o católico-romano, esta é a semana mais importante, ocasião em que se celebra a Paixão de Cristo, seguida da Ressurreição coincidente com a Páscoa. Também chamada de Semana Maior, em tempos passados, não mais carrega aquele ar de mistério, povoado de lendas em meio a exigências de mortificações, entre as quais o jejum e abstinência de carne, que fiéis observavam rigorosamente.

Tudo começava ao se silenciarem os tamborins do carnaval, ao raiar da Quarta-feira de Cinzas, início da quaresma que, conforme sugere o nome é o período de quarenta dias, até o Domingo de Ramos. Na avalanche das transformações, nem o período quaresmal escapou, pois dicionários e até padres dizem que a quaresma termina na Páscoa. Então que se mude o nome do período, porque quarenta já não são seus dias. Nesses quarenta dias, a vida dos fiéis se alterava com a adoção de comportamento mais discreto, menos buliçoso, sem extravasamentos exagerados e comemorações barulhentas. Baile, nem pensar! Enfim, as alegrias deviam ser contidas até o domingo de Páscoa! Às sextas-feiras quaresmais, adultos estavam obrigados ao jejum e todos à abstinência da carne de animal de sangue quente (aves e mamíferos), que era substituída por peixe. Por motivos óbvios, em relação ao jejum e abstinência, pobres não tinham do que reclamar!

Se, de um lado a Igreja cobrava comedimento nos prazeres e alegrias, do outro, o imaginário popular cercava a quaresma de mistério, crendices e superstições, talvez armas criadas pela própria sociedade como indução ao cumprimento do exigido para o momento. Lobisomem e mula-sem-cabeça tinham seu momento de vida e ação, durante a quaresma, para conter possíveis abusos e comportamentos inadequados em relação ao período. Interessante é que, tal como nos casos de intrigas e boatos, cujas origens não têm testemunha (quem repassa sempre ouviu de alguém, até o infinito), nos casos de lobisomem e de mula-sem-cabeça, nunca se confrontava com testemunha ocular. Tais figuras míticas seriam pessoas a expiar pecados gravíssimos e quem as via teria cometido deslizes um tanto menores. Impunidade não havia nem no mundo do fantástico; uma lição para nossos dias, quando tudo se faz e por nada se paga!

A Semana Santa, Semana da Paixão, ou Semana Maior, conservando todas as mortificações relativas ao período quaresmal, acrescidas de mais rigor, era a culminância de todo o retraimento, tendo seu ponto alto na Sexta-feira da Paixão, quando a crença popular, mais uma vez, ia além do que determinava a Igreja. Enquanto, nas sedes paroquiais, ritos complexos e comoventes se desenvolviam com a participação de vários sacerdotes, no restante da comunidade observava-se rigoroso silêncio. Nenhum trabalho, passível de ser antecipado ou adiado, era executado. Em muitas casas, nem a varrição diária era feita! Costumava-se, às vezes, preparar o alimento na véspera, para evitar ruídos provenientes desse trabalho. Buzina de carro não se ouvia; o trem não apitava; ninguém ousava assoviar e do rádio, nada de música saltitante! A programação radiofônica era toda de música clássica!

Cachoeira do Campo, comunidade então bem menor e muito pobre, também celebrava a Semana Maior, não ficando os atos litúrgicos e paralitúrgicos a dever, em nada, aos realizados no distrito-sede, Ouro Preto, embora o evento, aqui, só fosse realizado bienalmente, ou seja, de dois em dois anos. Por ser “festa muito pesada” para a economia local, sua realização anual era desaconselhada e, como a Prefeitura de Ouro Preto só fazia capina das ruas centrais às vésperas das celebrações da Semana Santa, a cada dois anos podia-se até fazer lenha nas ruas de Cachoeira. De certa forma, para a pobreza local era um achado, quando ainda não se conhecia o fogão a gás.

As celebrações da Sexta-feira Santa, todas diurnas com início pela manhã, envolviam rituais tão complexos que, a exemplo do teatro, chegavam a ter ponto, que “soprava” aos sacerdotes mais novos os procedimentos a serem seguidos. Tudo culminava no domingo com a celebração da Páscoa e procissão da Ressurreição. E por falar nisso, Páscoa não era comilança de chocolate!

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