Aparências enganam (outra vez)

16 de Setembro de 2016
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

De vez em quando, é bom sair da rotina ou da linha de atuação, como é o caso desta coluna, sempre a abordar questões graves ou incomodantes.

Desta vez, voltam-se olhos e ouvidos para pontos mais leves, talvez até hilários, do dia-a-dia. Começo por falar na primeira pessoa. Dentro do meu círculo social sou amigo de uma pessoa com a qual, sem qualquer combinação antecipada, em eventuais encontros, travo bons bate-papos. Digo sou amigo, porque hoje evito dizer “tenho um amigo” ou “meu amigo fulano”, pois passei a considerar muita presunção dizer que esta ou aquela pessoa é minha amiga, pois nunca se sabe o que vai pela cabeça do semelhante. Assumi esta posição depois de amargas decepções com relação a amizades que, imprudentemente, julgava sólidas, duradouras e inquebrantáveis. O mais cruel é que, para se chegar a essa conclusão, vive-se, praticamente, uma vida, entregando-se todo o ouro ao tido como amigo! Por outro lado, dizer que sou amigo desta ou daquela pessoa também não quer dizer que a tenha no meu círculo mais estreito. É porque, simplesmente não sou inimigo de ninguém! Como qualquer ser humano, posso ter uma raiva momentânea, uma bronca, mas é só. Se a pessoa não mais merece minha confiança, corto o fio da comunicação e, pronto! Por isso, abomino a palavra ódio e não a uso em relação a nada e a ninguém. A palavra ódio encerra, em si mesma, o desejo de morte, de destruição e todo o mal almejado para a parte contrária.

Mas, que esta observação seja apenas de passagem, pois o que mais importa, neste momento, é a conversa travada num dos encontros com a pessoa aludida no início.

Num desses encontros casuais, ele e eu em momento de ócio, trocávamos impressões sobre assuntos vários, incluindo-se o momento político quando, de forma inopinada, entre chistes e risos, apontou para a campanha eleitoral em andamento. – É rapaz, já estou cansado de catar papel na rua – Eu sem entender, por um momento, esquecido do seu jeito de ser, reagi: – Hein? – Ele se explicou: – É muito papelucho da campanha, que me entregam; e, posteriormente, junto tudo e ponho fogo. Engraçado é que todos prometem as mesmas coisas de sempre e seus cabos eleitorais apontam seu candidato como o melhor. – Então, você está muito cotado, sendo assediado por tantos candidatos – Observei, obtendo sua reação imediata: – Cotado coisa nenhuma; é por que eu tenho cara de bobo! – Diante da minha surpresa ele continuou: – É isso mesmo; pode reparar que a campanha é mais dirigida aos bobos. Às pessoas que eles julgam mais politizadas muito menos papel é entregue. – Ri muito de sua tese, que não deixa de ter lógica, no geral, mas não em relação a ele, que considero inteligente e bem informado. Ele continuou: – No comércio também fazem muita hora com a minha cara. Imagine que há poucos dias entrei numa loja, onde já havia visto um produto que me interessava. Falei com a vendedora e ela me devolveu: – o senhor tem certeza de que era mesmo o produto? – Diante da confirmação, ela me pediu que levasse a peça danificada, para conferir. Fui a um concorrente, perguntei pela mercadoria, encontrei e acabei por comprar por preço menor do que eu havia visto na primeira loja. Numa outra loja, depois de efetuado pagamento por compra feita, a vendedora me entregou um cupom, para participação de sorteio. Explicou minuciosamente, depois recomendou: – Olha seu Zé : peça a uma pessoa que preencha direitinho para o senhor – Aí eu pensei: além de bobo, sou analfabeto – Entretanto, dei corda a ela perguntando a quem eu devolveria o cupom – Continuamos a conversar e rir com relação aos incidentes. O mais interessante é que ele, inteligentemente, não reclamava do equívoco com as pessoas, mas tirava proveito da situação.

Lembrei-me, então de caso contado por ex-gerente de tradicional loja de tecidos em Belo Horizonte. O fato aconteceu no tempo em que se amarrava cachorro com linguiça e o mesmo ainda respeitava a corda que o prendia. Contou a gerente que, num sábado, estava junto ao balcão, perto de uma gaveta onde ficava determinada importância, em dinheiro miúdo a ser distribuído a pedintes; O dono da loja cultivava aquele hábito havia muitos anos.

Foi quando entrou um homem de aparente meia idade, andrajoso, calçado de alpargatas. Sobre um dos ombros, segurava pequeno bastão em cuja extremidade, às suas costas, trazia uma bolsa de lona, surrada e desbotada. A gerente, com a mão na gaveta, já estava tirar algum dinheiro para lhe dar quando ele disse: – Õ moça, eu queria ver “umas fazenda”. Meio envergonhada com a gafe, quase cometida, ela lhe mostrou uma peça de chita.

Ele sentiu a textura entre os dedos e perguntou: – a senhora não tem coisa melhor? – Ao mesmo tempo, perguntando pelo preço, apontou algumas peças vistosas, entre as mais caras. Em seguida, mandou que cortasse três metros de cada peça para cada uma de suas três filhas e mais três para a sua “dona”. Comprou também o suficiente de uma lã, nunca antes vendida, para fazer quatro casacos. Pediu ajuda à gerente no cálculo e escolha do aviamento. Mandou somar e então... surpresa! ele abriu a bolsa surrada. Continha tão somente dinheiro, em cédulas de cinco mil cruzeiros com a efígie do Tiradentes, a de maior valor, então, em circulação!

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