Arranje um escravo trombeteiro

08 de Julho de 2014
Jornal O Liberal

Jornal O Liberal

*Rodolfo Koeppel

Existe algo muito louco na cabeça humana. Acho que é o único ser vivo que tem esta fixação: temos que aparecer, à qualquer custo. Agora tem a onda do “selfie” – tirar fotos de você mesmo, em ritmo frenético, e ficar olhando para elas. Antes se chamava de síndrome egoísta-narcisista. Era uma coisa feia, que você fazia escondido. Isto agora é “ser moderno”.

No reino das aves e animais, os machos tendem a ser mais bonitos que as fêmeas. Eu diria que eles precisam, elas não... No gênero humano, pelo menos para mim, as coisas são ao contrário. As fêmeas são mais bonitas, mais perfumadas, mais atrativas. Já os machos, bem... tem gente que gosta.

Mas tem algo onde todos os seres humanos são iguais: querer aparecer. No que trato a seguir, parece-me contudo, que os machos ainda tem maior fixação. Vejo muitos machos se comportando assim e vejo menos fêmeas se comportando assim. Nós somos grossos, elas são elegantes. Com algumas exceções, claro.

Alguém disse que um dia, no futuro, todos nós seremos famosos... Não fique alegre. Ele disse também que seria somente durante 15 minutos... Só 15 minutos? Tão pouco assim? Queremos ser famosos por muito tempo...

Se não podemos ser famosos, nos contentamos com muito menos - com a instalação de um “som-zão” no nosso automóvel, já chamamos atenção. Alguns não se contentam com menos de 3.000 watts de potência. Isto talvez compense outras coisas, onde são menos potentes. Se isto agride aos demais, eles que se lixem, pois o importante é ocupar o espaço e todos saberem que estamos vivos.

O som em alto volume e com músicas que tem um estilo bem desagradável (Buumm... Bummmm... Buummm... 20 ciclos por segundo – você não ouve mas sente no estômago) é algo que agride a todos. Pois o som, ao contrário da beleza do(a) proprietário(a) do veículo, é algo que se espalha no ar, agredindo a todos. O volume e o conteúdo.

Mas, se você não sabe, isto é já era um hábito antigo, desde antanho, em Vila Rica. Na nossa época áurea, quando “qualquer um” tinha um quilo de ouro em casa (Que tristeza, heim? Se todos tinham, você não fazia vantagem alguma...) havia algo muito interessante.

Em Vila Rica as pessoas tinham “escravos trombeteiros”. Cada nobre imaginava uma música específica, de modo que, todos, ao ouvirem as trombetas sabiam quem passeava pelas ruas. O(a) bacana ia na liteira, com quatro escravos (substituíam burros ou cavalos? Hoje os carros tem 150 cavalos e as vezes um burro…) e na sua frente ia o “Trombeteiro”, que tocava a música, com toda a força de seus pulmões.

Imagine a nossa Rua São José, atravancada de liteiras e de trombeteiros. Ta-Ta-Ra-Rá - era o Bispo. Ti-To-To-Ri - era o Alcaide, Te-Re-Te-Re - era o dono da mercearia, Tu-Tu-Ru-Ru-Ru-Ru - era a marquesa, Ta-To-Ti-Tu - era aquele que havia bamburrado ontem... E quando havia um engarrafamento - claro, já havia isto - aí ficava aquela loucura, conhecida como “Cacofonia de Vila Rica”: To-Re-Ta-Tu-Ra-To-Re-Ru-Tu-Te-Ti-Ti-Ta... Esta partitura Curt Lange não achou nas suas pesquisas históricas sobre nossa maravilhosa música barroca.

Uma das formas de mostrar riqueza era vestir bem um “escravo trombeteiro”. Nada de pés descalços, roupas sujas. Nada disto. Ele tinha que representar bem o seu senhor. Ainda bem que algumas coisas foram esquecidas, dizem alguns... Como se ouviu numa missa na Igreja do Carmo, à época:

“Aleluia! Aleluia! Pecadores de Vila Rica! Tive um sonho e vi o futuro. E tenho duas boas notícias para vocês.

A primeira boa notícia: Mutatis Mutandis, vocês verão que no futuro, isto será muito pior. Portanto, aproveitem agora, já que nem todos podem ter “escravos trombeteiros” e são só quatro escravos por liteira.

Vi que os tilburis não mais virão da Inglaterra, mas de regiões exóticas: Coréia, China e até de um lugar desconhecido que somente será criado dentro de 200 anos, uma tal de Alemanha. Não sei onde ficará. Certamente será uma região pobre, tudo a ser ainda feito, enquanto nós já teremos mais de 200 anos de riqueza. Vi também que, dentro de uns 300 anos, qualquer um vai ter uma liteira, fabricada por artífices competentes mas com nomes estranhos: Nissan, Subaru, Citröen, Chevrolet, Kia, etc. Não vi nenhum nome indígena ou local. Disseram-me, estas liteiras andarão sem cavalos, mas que terão 150 deles em algum lugar. Não consegui ver onde e como, no sonho. Mas asseguraram que será dirigida por um burro. Portanto, vai ser um caos. E, vocês sabem, hoje as liteiras são pequenas, suportam só um passageiro. Vi que, no futuro, elas serão enormes, ocupando muito espaço e podendo levar até seis ou mais pessoas. Mas vi que, talvez por hábito, apenas uma pessoa estava a bordo. Não entendi nada. Talvez não tenha sido um sonho, pode ter sido um pesadelo.

A segunda boa notícia: naquela época futura, qualquer borra botas terá uma liteira. E Vila Rica, que continuará rica, vai ficar lotada de liteiras modernas. Aí os engarrafamentos serão dignos de gente rica... Que coisa boa: vi que nós continuaremos a ser ricos! Carpe Diem!” E se foi dito dentro da Igreja, então é verdade.

Portanto, ouro-pretanos, não queiramos resolver o problema de trânsito voltando ao que era o passado! Já era ruim naquela época. Temos que pensar sobre como queremos viver numa cidade carregada de emoção como Ouro Preto. Certamente não é ligando o som no último furo... e estacionando em todos os lugares... termino aqui, pois preciso procurar minha trombeta e compor uma música.

(*)Rodolfo Koeppel é morador em Glaura e está organizando o projeto TOP – Trilhas de Ouro Preto (www.trilhasdeouropreto.org). Gosta de carros antigos, que não tem tantos cavalos. Já quanto ao burro, ele tem algumas dúvidas...

Comments powered by Disqus

Newsletter

Acompanhe-nos

Encontre-nos no Facebook