Assim como ontem ainda é hoje

27 de Maio de 2015
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

De tempos em tempos, entram nas rodas públicas de discussão assuntos pertinentes aos riscos geológicos que, no perímetro urbano de Ouro Preto, são vários a tolerar os desafios humanos, em sua soberba diante da natureza. Entre os maiores encontra-se o da colina de São José, na qual se situa o romântico “paredão dos amores” ou “muro das lamentações” (que nos perdoem os judeus), no percurso entre o Largo da Alegria e o Largo do Rosário. E é justamente o famoso paredão que chama a atenção, no momento.

Cogita-se de suspender o tráfego de veículos naquela via, o que já seria tardio, considerando-se a gravidade do problema, que não é de agora, porém bem antigo. Quem pensa que o problema está restrito ao chamado paredão pode estar enganado, porque há evidências de que envolve toda colina onde se assenta a igreja de São José. Em outros municípios já teria sido solucionado, para evitar prejuízos ao patrimônio público e à vida humana, em Ouro Preto, procrastinam-se providências em torno dos assuntos mais sérios, aguardando-se o estouro da bomba em outras mãos. Entre as fortes evidências, até há pouco tempo, havia grande fenda no adro da referida igreja, possível sinal de que o terreno estaria a se mover. Mas isso não foi levado em consideração, pois em lugar de obras de contenção, fez-se maquiagem para eliminar a fenda, o que engana aos olhos muito atentos aos efeitos, porém ignorantes em relação às causas. Se problemas dessa ordem são antigos, em Ouro Preto, recente também não é o comportamento omisso e relapso da administração pública.

Em 1979, há, portanto trinta e seis anos, ao contrário da grave estiagem e consequente canícula do último janeiro, abriu-se gigantesca ducha sobre Ouro Preto durante cerca de quarenta dias. Crê-se que, nos últimos cem anos, não tenha havido outro período tão chuvoso, como aquele, em Ouro Preto. Dezenas de famílias ficaram ao desabrigo ou desalojadas; junto ao meio-fio, nas ladeiras, enxurradas tornaram-se cristalinas e constantes como pequenos regatos; ao fim do pequeno dilúvio e à vista de quem se postava ao longe, os morros circundantes se mostravam cheios de “feridas” e “escoriações”.

Numa manhã de domingo quando, em lugar da atenção no trabalho, acende-se a curiosidade em outras direções, notaram-se algumas rachaduras novas, tanto na base do paredão, no terreno abaixo, quanto junto à amurada, no nível da rua. Como já se tornara comum, naquele período chuvoso, logo se formou pequeno ajuntamento de pessoas a trocar opiniões sobre o assunto. Um dos agravantes para a suspeita que se levantava seria a continuidade do tráfego de veículos naquela rua. Cogitou-se de chamar o prefeito, alguém se ofereceu para localizá-lo, o que acabou por acontecer na Rua Direita. Ele atendeu prontamente e, no local, ouviu e trocou impressões com o grupo, deixando transparecer que suspenderia o tráfego para avaliação do problema e encaminhamento para possível solução. Antes que o grupo se dissolvesse e o prefeito se encaminhasse para outro ponto crítico, chegou comerciante que tomara conhecimento do que se discutia. Alegando que seu comércio seria prejudicado, ele acabou por convencer o prefeito a não tomar aquela providência. Passados poucos dias, findas as chuvas, pedreiro da prefeitura estava no local a fazer rejuntamento das pedras, maquiagem que fez o povo se esquecer do problema.

Coincidentemente, neste momento, senhora residente no bairro Santa Cruz denuncia ter sido desalojada de sua casa, há dez anos, pela prefeitura sob alegação de que sua moradia estaria sob risco de desmoronamento, o que não aconteceu até agora. A prefeitura não eliminou o alegado perigo, não lhe deu outra casa e agora quer cortar-lhe o aluguel social. Outro drama parecido se deu, também, há trinta e seis anos, por ocasião das chuvas intensas de 1979. Muro de arrimo mal construído pela prefeitura, desabou e destruiu duas casas da mesma família. A contragosto de corrente que pretendia se valer do acidente, para transformar rixa política em quizila pessoal contra o prefeito anterior, iniciou-se processo administrativo para a recuperação das casas ou indenização. Depois de o processo quase pronto, substituição do procurador municipal abriu oportunidade a alguém para fazer desaparecer toda a documentação. O caso foi para a Justiça, como se queria dentro da administração municipal e, em primeira instância, a prefeitura saiu vencedora. Na audiência de conciliação e julgamento, o juiz não indagou das testemunhas qualquer coisa com relação à qualidade e segurança do muro que, apresentava gritantes falhas técnicas. As perguntas formuladas só se referiam ao volume e intensidade das chuvas, bem como sobre prejuízos em outros pontos da cidade. Na sentença, ao juiz só faltou acusar as vítimas como causadoras das chuvas. Como as vítimas eram pessoas simples, autoridades municipais criam que o processo teria chegado ao fim, mas recurso foi interposto no Tribunal de Justiça, onde os injustiçados em Ouro Preto venceram por unanimidade de votos dos senhores desembargadores. Condenada a pagar, a prefeitura ainda tentou enrolar, só cumprindo a sentença quando o valor passou a ser corrigido mensalmente. Isso é Ouro Preto!

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