Império do corpo

01 de Junho de 2015
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Desde as duas últimas décadas do século vinte, o culto ao corpo vem se impondo e mexendo com a vaidade do ser humano, em todas as camadas sociais. De repente e a contrariar ensinamentos da Igreja, que apontava o corpo como templo do pecado (resquícios do período da Inquisição) o corpo subiu aos altares do consumismo, tornando-se o deus para o qual convergem todas as atenções, como se além dele nada mais houvesse, como bem ensinam doutrinas materialistas. De um extremo, que o condenava como causa da miséria espiritual, salta para outro, no qual, se ainda houvesse o Panteão grego ou romano, estaria entre os deuses de um destes.

A princípio, no corpo não se tocou, senão lhe alterando a indumentária, considerada então ultrapassada ou acrescentando marcas (tatuagem) e adornos (piercing), à moda indígena. A intenção não passava muito do ser destaque, tornar-se diferente na multidão, atrair outros da mesma índole, especialmente do sexo oposto. Dos acessórios e adereços, as atenções se voltaram diretamente sobre o corpo, a essa altura promovido pela mídia a serviço da indústria de novidades, criadas com o fim específico de despertar ou aguçar a vaidade, em torno da aparência física.

O culto ao corpo não é coisa nova, tendo ganhado destaque em civilizações antigas como a grega, por exemplo, porém colocado em plano inferior com a disseminação do cristianismo. Afrouxadas as rédeas da influência religiosa, voltou o corpo a subir na avaliação, desta vez, a extrapolar o esporte, usado na Grécia antiga como meio de desenvolvê-lo. Intensifica-se o culto ao corpo, levando indivíduos a crescente e exagerada preocupação com a aparência física, que chega ao desprezo de sua própria identidade corpórea, em favor de modelos endeusados pela mídia, em suas campanhas por mais mercado aos seus produtos. Não só das classes mais favorecidas, mas a partir de todas se mostram indivíduos, especialmente adolescentes, que se deixam influenciar pelo que ditam no cinema, televisão, revistas, cartazes, mala direta e, agora, na internet. Por meio de programas, em variados formatos, a televisão bombardeia a audiência com peças publicitárias, novelas, filmes, nos quais o telespectador é levado, subliminarmente, a se imaginar inferior, por não apresentar os mesmos atributos físicos do modelo que promove o produto. Para atender a “necessidade”, criada em torno dos modelos, de beleza e do porte físico, impostos como ideais, surgiu e se expande uma indústria de medicamentos, dietas específicas, academias mecanizadas de ginástica e até cirurgias, nem sempre sob os devidos cuidados requeridos pela medicina. Se não funcionam dietas, medicamentos e outros quês dos muitos já criados para resolver o “problema”, apela-se à intervenção direta no corpo. Tal como em boneco de argila, corta-se aqui, arredonda-se ali, enche-se lá outra parte.

Para cada parte do corpo, o mercado da beleza física oferece uma diversidade de soluções em produtos para os olhos, o rosto, o cabelo, as unhas, bem como equipamentos de ginástica, que “garantem” transformar, cada grupo de músculos, colocando-os no padrão estabelecido pela propaganda maciça. Enquanto isso, a própria medicina entra em campo com soluções, cada vez mais ousadas, na transformação do corpo “a gosto do freguês”. Singularidades ou características pessoais são convertidas em inadequações, para as quais se oferecem soluções milagrosas. Em toda essa preocupação com o corpo, querendo tê-lo nas mesmas condições do modelo escolhido, esquece-se de que cada indivíduo carrega características próprias, que devem ser respeitadas, para que a saúde se mantenha. Por essa razão, multiplicam-se casos de pessoas, que morrem após intensos esforços físicos, especialmente entre jogadores de futebol.

Embora o fenômeno da vaidade esteja a crescer entre o público masculino, não resta dúvida de que melhor se enquadre no perfil feminino, o que leva algumas mulheres a extremos, sem medir consequências danosas à sua saúde e incolumidade física. Depois da intervenção nos seios com acréscimo de material estranho, mulheres agora fazem crescer as nádegas, repudiando a configuração dada pela natureza, sem se preocupar com a qualidade do material injetado e, pior, com a intervenção realizada por leigos, completamente à parte da medicina.

Está na mídia o caso da “picareta”, que enganou e desgraçou a vida de várias mulheres - uma delas levada à cadeira de rodas - com a aplicação de material incompatível com o organismo humano. Além das intervenções, para as quais não está preparada, parece estar certa de que não será punida, quando debocha de suas vítimas ou lhes faz ameaças, além de zombar das leis. Não fosse o culto ao corpo e pressões da propaganda para que todos se enquadrem de acordo com a estética ditada, essa pilantra não estaria na posição da qual se gaba, porque lhe faltaria mercado.

Comments powered by Disqus

Newsletter

Acompanhe-nos

Encontre-nos no Facebook