Brincadeira imbecil

19 de Outubro de 2015
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Aqui vai narrativa de fato, nu e cru, dos muitos que acontecem nesta república tupiniquim, mas são desconhecidos do grande público porque protagonistas, também vítimas, são pessoas simples, trabalhadores aposentados e, obviamente em idade avançada, eufemisticamente chamada terceira idade. Nesse ponto, dá-se a incongruência entre as convenções sociais e atitudes da sociedade em relação a aposentados e velhos, ou idosos, termo este que aquelas normas impõem em lugar da primeira, considerada pejorativa e desrespeitosa, assim como o termo velhice é substituído por “terceira idade” pela hipocrisia dominante.

Essa hipocrisia se confirma nas atitudes, do dia-a-dia, não correspondentes às exigências quanto ao novo vocabulário, continuando as pessoas a sofrer o mesmo descaso de sempre.

Septuagenário, a meio caminho de ser tornar “octo”, se não o matarem de raiva antes, compareceu ao caixa/FGTS da Caixa Econômica Federal, agência Ouro Preto, para receber restolho do montante recebido há um, ao se desligar do último emprego. Aposentado há dezenove anos, tendo trabalhado por dezoito nessa condição, ele recebeu comunicado de que teria a receber pouco mais de setecentos reais do FGTS. Nem imaginava que ainda tivesse algo a receber daquele fundo! Por ser aposentado, não tendo vínculo empregatício, há um ano, entendeu que o recebimento não exigiria tanta burocracia, mas foi-lhe exigida apresentação de cópia do RG e do CPF junto aos documentos originais, mais a CTPS.

Poderia ter conseguido as cópias no mesmo dia e voltado ao estabelecimento, mas preferiu retornar depois de alguns dias, quando foi surpreendido com nova exigência: a carta de concessão da aposentadoria, emitida pela Previdência Social. Tentou argumentar que tal procedimento não fora exigido, quando do recebimento do montante principal, tendo tudo se processado sem mais burocracias, além da apresentação da carteira de trabalho/PIS e da rescisão contratual, devidamente homologada. Não entendia o porquê de mais exigências para o pagamento/recebimento daquele “rabinho” que ficara do FGTS. Mas quem é o simples mortal, do lado de fora do balcão, diante da burocracia oficial? É obrigado a ouvir e não falar muito, pois corre o risco de ser acusado por desacato. Pela terceira vez, o velho trabalhador aposentado voltou para casa de mãos vazias, já desconfiado com aquilo que parecia brincadeira, pois sendo o caixa dedicado aos assuntos do FGTS, não havia sentido em não, de uma só vez e previamente, dar toda orientação quanto aos documentos necessários àquele procedimento. Exigir documento diferente a cada comparecimento chegava às raias da tortura moral/psicológica, incompatível com o tratamento humano, devido a qualquer cliente, seja ele jovem ou velho, rico ou pobre.

Passou-se algum tempo e, lá um dia, o velho aposentado, munido de todos os documentos já apresentados, acrescido da rescisão contratual, compareceu novamente ao caixa do FGTS, onde pessoa diferente das três anteriores recebeu os documentos, conferiu-os e disse que se tudo estivesse certo, o pagamento seria efetuado dentro de cinco dias. Enquanto dizia isso, conferia os dados da carteira de trabalho. De repente, a conferência é interrompida e vem outra surpresa: falta a cópia da carteira de trabalho – diz a pessoa encarregada.

O quase octogenário trabalhador aposentado, mais uma vez, tenta argumentar que aquela exigência nunca fora feita nos saques anteriores do FGTS, ao que a pessoa responde com o empunhar do telefone, levando-o ao ouvido para suposta confirmação que é, em seguida, repassada. E acrescenta: - sem a cópia da CTPS, nada feito; o senhor terá que voltar outro dia.

Considerando que, há bem pouco tempo, daquele dinheiro ele não sabia, embora a própria CAIXA confirmasse ser seu; considerando que muito mais pode ganhar, pois pode trabalhar e trabalha; considerando ainda que sua saúde é muito mais valiosa que qualquer montante em dinheiro, o velho aposentado pediu toda a papelada de volta, dizendo que desistia de receber, enquanto, mentalmente, sugeria que a CAIXA, o FGTS e tudo mais ligado a esse governo “petralha” fizesse um enroladinho com o dinheiro e... isso mesmo; que tivessem bom proveito.

Meteu a papelada na pasta e se recolheu à sua insignificância, sugerida pelas circunstâncias, naquela tentativa de receber o que era seu. Embora não lhe tivessem pagado, sentia-se ultrajado e roubado em sua dignidade, mais pela maneira como foi tratado; a mesma daquela brincadeira imbecil de adulto com criança: acena-se com o presente de uma guloseima e, a cada aproximação da mãozinha infantil, esconde-se o doce e aponta o dedo. Falta, na hora, um animal que avance e morda o dedo do desgraçado! E isso acontece no país, onde se roubam bilhões dos cofres públicos, sem que se perceba, a não ser que um comparsa faça delação mediante pagamento.

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