Café com leite, pão com manteiga e celular

09 de Junho de 2013
Valdete Braga

Valdete Braga

Saía da padaria quando um garotinho nitidamente carente pediu-me “um trocado para comprar um pão”. O menino usava camiseta e short surrados e um chinelo que se desmanchava no pé. Bem novo, aparentava uns 10 anos. Eu não dou dinheiro, mas peguei a ficha para um copo de café com leite e um pão com manteiga e fui com ele até o balcão.

Perto da padaria há uma lan house e eu precisava imprimir alguns documentos com urgência. Enquanto aguardava a impressão, adentra ao local o mesmo garotinho. Foi até o balcão e falou para o atendente: “Vocês colocam setenta e cinco centavos no celular”?

Sem palavras, olhei para o menino. Ele me reconheceu e cumprimentou, com a melhor cara do mundo. Eu não sabia se xingava, chorava ou ria. Até o valor era surreal: setenta e cinco centavos. Ou estou ficando burra ou tem muita loucura acontecendo por este mundo. Enquanto o menino saía colocando seus setenta e cinco centavos no celular, perdi uns bons minutos tentando entender o que tinha acontecido. Quinze minutos atrás ele pedia o que comer, agora falava ao celular. Como assim?

Se o “trocado” que ele me pediu era realmente para comer eu não sei, mas ele se atirou com tudo no café com leite e pão com manteiga. Não digo que seja uma criança que passe fome, mas certamente passa por dificuldades. Estava com um apetite daqueles. E eu reencontro-o depois, carregando celular.

Será que eu pirei de vez? Será que estas coisas acontecem mesmo? Estarão os valores tão invertidos assim? Foi muito divulgado pela mídia uma senhora reclamando do valor que recebia do bolsa família e dizendo que só uma calça para a filha dela de dezesseis anos custa 300 reais. Hã? Eu trabalho há vinte e oito anos e não compro uma calça de 300 reais. O vídeo pode até ter sido editado, colocado na mídia maldosamente, etc. Não é o caso em questão. O fato é que a senhora falou isto.

Viver sem celular? Impossível. Preferível pedir o pão mas não ficar sem os créditos. A filha adolescente da mãe necessitada a ponto de precisar de cesta básica (será?) usar roupa que não seja de grife? Preferível pedir o aumento da bolsa e comprar a roupa. E outros, e outros casos, que não caberiam aqui.

Como crescerão estas crianças? Que senso de medida terão na vida adulta? Preferível um carro zero a um investimento em casa própria, preferível uma viagem ao exterior a fazer aquela reforma tão nessária no quarto do filho? Possivelmente. Daí vem o círculo vicioso: se eu sempre tive, vou continuar tendo. Então eu roubo para conseguir, porque para os meus valores, o que importa é ter, independente de onde veio. E do roubo ao assalto a mão armada, e do assalto ao latrocínio... Meu Deus! Acabou-se a noção de valor. Acabou-se o bom senso. Que pena, acabaram-se as necessidades. E viva o século XXI!

Comments powered by Disqus

Newsletter

Acompanhe-nos

Encontre-nos no Facebook